CDPP na Mídia

O dia em que Pastore quase chegou à regra de Taylor

Brazil Journal

Uma das maiores contribuições de Affonso Celso Pastore, morto hoje em São Paulo aos 84 anos, foram os seus estudos pioneiros sobre a inflação. Rigoroso com a análise empírica e o uso dos modelos matemáticos, o economista desafiou teorias pouco sólidas que redundaram em seguidos planos fracassados de estabilização entre os anos 80 e 90.

Em um capítulo de A Economia com Rigor, Marcos Lisboa e Samuel Pessôa resumem as conclusões de artigos acadêmicos publicados por Pastore e mostram como o economista esteve perto de enunciar, anos antes do americano John Taylor, a equação que relaciona taxa de juros, inflação e atividade econômica – hoje conhecida como ‘regra de Taylor’.

Publicada em 1993, a Taylor’s Rule é hoje uma das principais ferramentas dos bancos centrais para estimar a taxa de juros necessária para equilibrar preços e demanda.

O livro, uma homenagem aos 80 anos de Pastore, festejados em 2019, foi organizado pelo Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP), o think tank do qual Pastore foi um dos fundadores e primeiro presidente.

Abaixo, um trecho do capítulo em que Lisboa e Pessôa comentam como Pastore também concluiu que os desequilíbrios fiscais quase sempre estiveram na raiz das crises inflacionárias do Brasil.

***

Em 1990, Pastore publicou na Revista Brasileira de Economia o artigo “Inflação e expectativas com a política monetária numa regra de taxa de juros”. Nesse texto, Pastore retoma o fio da meada do artigo de 1975 escrito com Ruben Almonacid e se pergunta: qual seria a política monetária ótima se a inércia inflacionária decorre de expectativas adaptativas que se aceleram e quando a função de reação do Banco Central é restrita a escolha da taxa nominal de juros? Segundo Pastore, o Banco Central teria que reagir contrabalançando o efeito da inércia. A mesma resposta seria dada por Taylor, em um contexto diferente, três anos depois.

Estabilizar os preços necessitaria aumentar a taxa de juros mais do que proporcionalmente ao aumento da inflação. A originalidade de Pastore fica clara na bibliografia de seu artigo, onde são citados poucos trabalhos da mesma época, como o de Stanley Fischer sobre indexação e inflação, publicado em 1983. Pastore fez a pergunta pertinente e derivou a relação entre a taxa de juros e a inflação para estabilizar o sistema. Não derivou por completo as implicações de sua regra.

Derivamos no contexto mais simples de seu artigo – expectativas adaptativas sem aceleração – as implicações de sua regra. Mostramos que ela atende ao princípio de Taylor que reza que a resposta da taxa de juros à distância entre a inflação e a meta inflacionária é proporcional com constante maior do que 1.

Pastore chegou perto da regra de Taylor que atende ao princípio de Taylor. Faltou pouco e, de certa forma, o ambiente intelectual que havia no FEA-USP naquele momento não permitiu que nós alunos levássemos as ideias adiante. No começo dos anos 1990, não estava claro para a gestão da política monetária que uma economia poderia ser estabilizada por meio de uma regra de taxa nominal de juros e, muito menos, por meio do regime de metas de inflação.

O Brasil, nessa época, enfrentava o desastre da inflação descontrolada. Tínhamos errado no Plano Cruzado, no Cruzado II, no Plano Bresser, no Plano Verão e no Plano Collor. Cada tentativa heterodoxa de estabilização fracassava e o resultado era apenas uma inflação ainda mais elevada. A sociedade sucumbiu ao processo inflacionário. A correção monetária e a oferta pelos bancos de inúmeros instrumentos de liquidez alternativos, que facilmente se transformavam em moeda, entorpeciam a sociedade e permitiam o andar trôpego da economia com inflação elevada.

A aparente normalidade resultou em teses estapafúrdias, como a que embasou o Plano Collor. A inflação seria produzida pela dívida pública de curto prazo que poderia ser convertida rapidamente em poder de compra. A solução desastrosa foi a renegociação compulsória da dívida pública para evitar a expansão do consumo em meio a mais um plano heterodoxo de estabilização. Em sua crítica ao plano Collor, em artigo na RBE de janeiro de 1991, Pastore aponta que não é a existência de ativos financeiros que podem ser rapidamente transformados em moeda que gera a inflação. A inflação descontrolada decorria do desequilíbrio fiscal em meio a uma política monetária sem uma regra como a de Taylor ou a que Pastore derivara no artigo de 1990.

Surpreendentemente, o artigo de Pastore de 1991 enfatiza o mecanismo de zeragem automática do Banco Central e o controle dos agregados monetários, sem se lembrar de sua regra derivada no artigo anterior. Vale mencionar que o clássico artigo de Taylor foi publicado bem depois, em 1993.

Em seu longo artigo no fascículo de fim 1994 na Revista de Econometria, Pastore documenta a relevância do imposto decorrente da inflação, a senhoriagem, para equilibrar a restrição orçamentária intertemporal do setor público no Brasil. Sem essa fonte de receita, não havia recursos para estabilizar a dívida pública. Como nos anos 1950, 1980 e começo da década de 1990, a inflação era essencialmente um fenômeno fiscal. A inércia inflacionária e os choques de oferta são relevantes para o processo de aumento dos preços, mas a longo prazo o desequilíbrio das contas públicas é a fonte da inflação. Muitas vezes o problema deixava de ser fiscal e se tornava puramente inercial.

No entanto, o combate à inflação e a produção de um equilíbrio com inflação baixa recolocava o problema fiscal. Este foi o caso, por exemplo, do primeiro mandato do governo FHC. Em artigo da RBE em 1996, Pastore analisa a menor eficácia da política monetária em razão da curta duração da dívida pública. No limite, se toda a dívida for pós-fixada, anula-se o efeito riqueza da política monetária e aumentos da taxa de juros resultam em ganhos para os detentores da dívida. Neste caso, uma política monetária contracionista requer um aumento ainda maior da taxa de juros.

Pastore e Cristina Pinotti publicaram na RBE, em 1999, o artigo “Inflação e Estabilização: Algumas Lições da Experiência Brasileira”. A primeira parte do artigo sistematiza os resultados dos artigos anteriores sobre as características do processo inflacionário brasileiro e as razões do sucesso do plano real. A segunda parte mostra a limitação do plano e a necessidade de uma reforma fiscal e cambial. O artigo foi publicado na época da crise do regime de câmbio fixo do primeiro mandato de FHC, que resultou no regime de metas de inflação com câmbio flutuante em meio a uma consolidação fiscal de 3 pontos percentuais do PIB.

Quase 20 anos depois, estamos no início de um novo governo (o então governo Bolsonaro, iniciado em 2019) que terá que fazer consolidação fiscal um pouco maior do que a realizada pelo segundo governo de Fernando Henrique, algo da ordem de 4 pontos percentuais do PIB, caso contrário a dívida pública irá continuar a aumentar.


Link da publicação: https://braziljournal.com/o-dia-em-que-pastore-quase-chegou-a-regra-de-taylor/

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

CDPP