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Morre o ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore, aos 84 anos

Morre o ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore, aos 84 anos

Globo

O economista Affonso Celso Pastore morreu nesta quarta-feira, em São Paulo, aos 84 anos. Ele havia sido internado para uma cirurgia no sábado, passou o fim de semana na UTI, mas não resistiu. O enterro será no Cemitério do Morumbi, das 13h às 17h.

Graduado e com doutorado em Economia pela Universidade de São Paulo (USP), Pastore iniciou sua vida na esfera pública em 1966, quando se tornou assessor do secretário da Fazenda do Estado de São Paulo, Antonio Delfim Netto, seu ex-professor na FEA.

No ano seguinte, com a nomeação de Delfim Netto para o cargo de ministro da Fazenda, foi chamado para ser assessor do ministro. Em março de 1979, assumiu o cargo de secretário dos Negócios da Fazenda de São Paulo.

Pastore também foi presidente do Banco Central entre 1983 e 1985, durante o governo do ex-presidente João Figueiredo, o último da ditadura militar.

Redução do déficit público

Em seu mandato, Pastore participou de negociação com o Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre a dívida externa brasileira e enfrentou um período de elevada inflação.

Ao tomar posse no BC, rejeitou medidas de choque e afirmou a disposição de seguir as diretrizes dos compromissos firmados com o Fundo, segundo o Cpdoc/FGV. Defendia uma nova ordem econômica mundial, na qual a renegociação da dívida contasse com a colaboração dos países ricos e do sistema financeiro internacional.

Advogava em favor de medidas de controle do processo inflacionário e considerava a redução do déficit público ponto fundamental para a solução dos problemas da economia nacional.

Logo após sair do BC, o economista foi crítico das medidas econômicas heterodoxas implementadas durante o governo do presidente José Sarney, justamente por não combaterem o déficit.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, lamentou a morte do economista.

_ Ele sempre foi um apaixonado pelo Banco Central, pelas causas do Banco Central. Defendeu a autonomia e todos os nossos projetos, a nossa agenda. Então eu acho que é uma enorme perda _ afirmou.

Crítica ao Plano Cruzado e defesa do Plano Real

Condenou o Plano Cruzado, apresentado pelo então ministro da Fazenda, Dílson Funaro, em fevereiro de 1986. De acordo com o Cpdoc/FGV, discordava da caracterização da inflação como estritamente inercial e não acreditava na possibilidade de o governo sustentar o congelamento de preços.

Considerou a moratória, decretada em 1987, “uma demonstração de incapacidade de negociar a dívida externa e rejeitou a justificativa de que um acordo com o FMI implicaria recessão para a economia brasileira”, diz o centro da FGV em seu site.

Também foi crítico de outros planos econômicos brasileiros, entre eles o Plano Verão (1989) e o Plano Collor (1990). Mas aprovou o Plano Real (1994), apresentado pelo então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, no governo de Itamar Franco.

Apreensão com a política cambial

Saudou as medidas pela capacidade de reduzir a inflação sem gerar um choque econômico e por garantir a estabilidade da nova moeda. Mas, diz o Cpdoc, “enfatizou o equívoco de identificar o fim da inflação com melhor distribuição de renda”.

Com a eleição de Fernando Henrique para a Presidência, em outubro de 1994, demonstrou apreensão com a gestão da política cambial e de juros.

Fora do governo, Pastore lecionou na USP, na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e no Ibmec.

Também fundou, em 1993, a consultoria A. C. Pastore & Associados, especializada em análises da economia brasileira e internacional.

Economistas e gestores públicos lembraram a importância do economista para o debate econômico. Ilan Goldfajn, presidente do BID, que organizou o livro “A economia com rigor”, em homenagem a Pastore, juntamente com o jornalista Fernando Dantas, lamentou, em nota, a morte do economista:

“Estou muito triste com a morte de Affonso Celso Pastore. Ele foi um grande amigo, inspirador e parceiro. O Affonso Pastore foi o maior expoente e promotor do foco na ciência para a análise de políticas econômicas, no uso da evidência para avaliarmos, aprendermos e implementarmos políticas e reformas que venham a beneficiar as sociedades que servimos. Ele sempre esteve sempre à frente do seu tempo, desde os primeiros anos na USP, passando por sua larga e profícua carreira até quando tive a honra de com ele e outros colegas criar o Centro de Debate de Política Públicas (CDPP). Sentirei muita falta do Pastore e mando condolências a todos os familiares e amigos.”

O economista Marcos Lisboa, que escreveu o prefácio do último livro de Pastore “Erros do passado, soluções para o futuro. A herança das políticas econômicas brasileiras do século XX”, era um exemplo de ética e “honestidade na condução da vida pública”.

_ Affonso trouxe para minha geração o exemplo da ética da honestidade na condução da vida pública e privada. Ele tinha obsessão pelo trabalho técnico, por estudar as evidências, não brigando com os dados para defender um ponto de vista.

Segundo Lisboa, Pastore fez parte de geração “espetacular da USP, dos anos 1950, 1960”:

_ Ele procurava combinar a melhor teoria econômica disponível com as técnicas de avaliação para testar as conjecturas.

Para o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga, ele deixa um legado de seriedade de competência, de coragem e de espirito público.

_ Tantas qualidades assim é difícil ver junto. Além disso, era uma figura deliciosa, bom de briga, totalmente honesto intelectualmente, seja no privado ou no público. que vale a pena.

Arminio lembra que ele entrou no Banco Central num momento “extremamente difícil”, com o Brasil negociando a dívida externa e acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI):

_ Vejo nele um exemplo a seguir, a perseverança, as análises novas, a paciência para insistir nos pontos básicos no Brasil que são frequentemente ignorados, para lidar com a ignorância, com a má-fé. Soube dosar e batia firme com gente que agia dessa forma. Entrava no embate sem luva. Ele nunca perdeu o espírito guerreiro. Muito bom ter pessoas vão até o último minuto na briga. Vai deixar um buraco enorme.

Roberto Campos Neto, atual presidente do Banco Central, classificou como ”uma enorme perda” a morte de Pastore:

— Ele sempre foi um apaixonado pelo Banco Central, pelas causas do Banco Central. Defendeu a autonomia e defendeu todos os nossos projetos, a nossa agenda. Então eu acho que é uma enorme perda — disse, em rápida conversa com jornalistas.

De volta à cena política, com Moro

Pastore voltou à cena política em 2021 para assessorar o ex-ministro da Justiça Sergio Moro, então pré-candidato à Presidência da República pelo Podemos. Ele fazia parte de um grupo de conselheiros do então candidato. Em março do ano seguinte, no entanto, Moro desistiu da disputa e se elegeu senador.

Sergio Moro disse ao GLOBO que Pastore era uma pessoa “muito agradável” e que não tinha medo de fazer “análises críticas sobre o cenário econômico do país”, e relembrou quando, em 2021, contou com seus conselhos no momento em que aventava ser candidato a presidência da República.

— O Pastore era um dos grandes economistas do Brasil, se não o maior. Eu tive a oportunidade de conhecê-lo e a característica principal dele era a seriedade e o rigor em suas análises econômicas, eu tive a oportunidade de ser aconselhado por ele no início de 2021 quando estávamos tentando construir uma candidatura a presidente, e ele era uma pessoa que não transigia com o errado, sempre fazia uma análise rigorosa e dizia às vezes ‘isso não pode fazer’ em relação a alguma coisa econômica que seria interessante do ponto de vista eleitoral, ele colocava os freios. Ele era um economista muito íntegro, rigoroso no sentido técnico. O Brasil tem uma grande perda — falou.

— Ele era um grande entusiasta das reformas modernizantes do país e também tinha muito claro que, para o país poder avançar, o que precisávamos eram instituições fortes, de previsibilidade, segurança jurídica, normalidade dentro do país e que o crescimento econômico possa ser inclusivo para beneficiar a todas — acrescentou.

O ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung se referiu a Pastore como “um dos mais influentes e respeitados economistas do país, que deixa uma enorme contribuição para o debate econômico do Brasil”, em publicação no X.

A Secretaria estadual de Fazenda de São Paulo, onde Pastore foi secretário de 1979 a 1983 também soltou nota sobre a importância do economista:

” Pastore é reconhecidamente um dos economistas mais renomados do país. Homem público, também foi presidente do Banco Central e representou o Brasil em diversas instituições internacionais, entre elas o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O secretário Samuel Kinoshita e o corpo de servidores da Sefaz-SP estendem suas condolências à família desse incansável estudioso das políticas econômicas que tanto se dedicou pelo país”

O Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre) também lamentou em nota a morte do economista. Ele era coordenador do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace), da fundação. A Faculdade de Economia da USP, onde Pastore se formou, fez doutorado e foi diretor, também prestou condolências.

Para Josué Gomes da Silva, presidente da Fiesp, o país perde “um importante pensador e economista”.

“Deixa um relevante legado intelectual e uma lacuna no debate econômico nacional.”

Ele nasceu na cidade de São Paulo no dia 19 de junho de 1939 e era filho de Francisco Pastore e de Aparecida Pastore. Ele deixa três filhos do primeiro casamento e a viúva Maria Cristina Pinotti.

Link da publicação: https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2024/02/21/morre-o-ex-presidente-do-bc-affonso-celso-pastore-aos-84-aos.ghtml

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