País implementou várias políticas na direção correta, mas não conseguiu na educação avanços como os obtidos em outras áreas
Valor
A qualidade da educação é dos determinantes mais importantes do crescimento econômico. Apesar de termos implementado várias políticas educacionais na direção correta, em linha com os principais estudos internacionais, nossos alunos ainda têm muitas dificuldades de aprendizado em todas as séries, como mostram diversas avaliações internacionais de aprendizado. Por que será que nossos alunos aprendem tão pouco na escola?
Vários estudos mostram que começar a frequentar escola mais cedo traz vários efeitos positivos no longo prazo, aumentando o desempenho dos alunos em testes padronizados, por exemplo. Dados do Censo Escolar de 2023 trazem boas notícias neste sentido, pois a porcentagem de crianças de 4 a 5 anos de idade que frequentam a pré-escola se recuperou após a pandemia, atingindo 91,5% das crianças atualmente.
Além disso, as reformas educacionais nas duas últimas décadas foram bem-sucedidas. Por exemplo, em 2005, Congresso Nacional alterou a idade de entrada dos alunos no ensino fundamental para 6 anos, aumentando, com isso, a duração do ensino fundamental de 8 para 9 anos. Assim, ao invés de cursar 3 anos na pré-escola e 8 no ensino fundamental, os alunos passaram a cursar 2 anos na pré-escola e 9 no ensino fundamental. Pesquisas que avaliaram os resultados desta política mostraram resultados bastante positivos no aprendizado de português e matemática, ainda que não o suficiente para mudar o patamar de aprendizado dos nossos alunos com relação aos países da OCDE.
Além disso, a idade a partir da qual as crianças devem entrar no ensino fundamental sempre foi objeto de muitos debates entre os pais e gestores nas secretarias de educação. Esta entrada depende do mês em que o aluno completa 6 anos de idade, mas cada Estado tinha uma data de corte diferente. Em 2010, o Conselho Nacional de Educação (CNE) determinou que apenas as crianças que completarem 6 anos de idade até o dia 31 de março podem ingressar no primeiro ano do ensino fundamental naquele ano. As demais deverão ser matriculadas na pré-escola e ingressar com 6 anos completos no ensino fundamental.
Em um novo estudo, comparamos crianças que fazem aniversário um pouco antes da data de corte para entrada aos 6 anos com os que fazem aniversário um pouco depois e, portanto tem que esperar um ano para entrar na escola1. Descobrimos que os alunos que entram no ensino fundamental um ano depois tendem a progredir mais rapidamente ao longo das series do que os seus colegas mais jovens, porque repetem menos de ano. Além disso, eles têm uma probabilidade maior de entrarem na faculdade. Ou seja, antecipar e homogeneizar a data de corte para todos os Estados foi uma medida acertada.
Não faltaram esforços nem recursos para melhorar o aprendizado no país, mas o progresso foi pequeno
Por fim, os recursos aplicados na educação básica aumentaram bastante nas últimas décadas, passando de R$ 278 bilhões em 2010 para R$ 361 bilhões em 2022. Como o número de alunos na educação básica está diminuindo, por conta da diminuição do número de crianças na população, o gasto por aluno aumentou ainda mais, tendo passado de R$ 5.400 para R$ 7.680 no mesmo período, um aumento de 42%. Se usarmos 2000 como base para comparação, percebemos que os gastos por aluno aumentaram mais de três vezes nos últimos 22 anos. A grande maioria destes recursos é usado para pagamento de professores, que, portanto, tiveram um grande aumento salarial no mesmo período.
Estudos internacionais recentes indicam que existe, de fato, uma relação positiva entre gastos com educação e o aprendizado dos alunos. Entretanto, no caso brasileiro, os resultados dos alunos em avaliações internacionais ficaram estagnados nas últimas décadas, mesmo após a pandemia. O curioso é que em outras áreas o Brasil avançou bastante. Por exemplo, há muito tempo temos um sistema de transferência de dinheiro mais eficiente do que o resto do mundo, primeiro com a TED e depois o Pix. Além disso, temos as urnas eletrônicas, a declaração eletrônica do imposto de renda e um sistema automatizado para ingresso no ensino superior a partir dos resultados no Enem (o Sisu), tudo isso construído no setor público. Porque será então que não conseguimos melhorar a educação?
Uma hipótese é que as políticas descentralizadas, que estão a cargo dos Estados e municípios, são mais difíceis de serem implementadas com sucesso. Por exemplo, em 2016 foi criado no Brasil o programa “criança feliz”, uma política de visitação domiciliar por agentes públicos para estimular o desenvolvimento infantil das crianças que vivem em famílias pobres. Programas como esse são o padrão-ouro entre as políticas para a primeira-infância e obtiveram resultados positivos em vários países do mundo, como Bangladesh, China, Colômbia, Índia e China. Na Jamaica, por exemplo, o salário do grupo de crianças tratadas pelo programa aos 22 anos de idade aumentou 34% com relação ao grupo de controle.
Entretanto, avaliações de impacto mostraram que o programa “criança feliz” não foi efetivo para melhorar o desenvolvimento infantil das crianças brasileiras. Isso aconteceu por problemas na sua implementação, relacionados principalmente com a gestão dos funcionários que trabalharam no programa. Vale notar que a pandemia agravou estes problemas de implementação, pois muitas visitas deixaram de acontecer ou aconteceram de forma remota. Porém, a cidade de Sobral, que tem uma ótima equipe de gestão pública, com resultados extraordinários na educação, também foi bem-sucedida na implementação do programa criança-feliz, com resultados bastante satisfatórios.
Em suma, não faltaram esforços nem recursos para melhorar o aprendizado dos alunos brasileiros nas últimas décadas, mas os progressos foram pequenos. Uma possível explicação para esse desempenho decepcionante é a falta de capacidade de gestão das equipes municipais que cuidam dos sistemas educacionais e que estão nas escolas. Precisamos fazer mais pesquisas para produzir evidências que podem ou não confirmar esta hipótese.
1. “The Effect of Age at School Entry on Educational and Labor Market Outcomes in Brazil: A Regression Discontinuity Analysis”, Herdeiro, Oliveira e Menezes-Filho
Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/em-busca-da-educacao-de-qualidade.ghtml
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