Folha
A economia brasileira cresceu 2,9% em 2023. Todo o crescimento ocorreu no primeiro semestre. A política monetária contracionista compensou a política fiscal expansionista, e a economia desacelerou no segundo semestre. Ao longo do ano, o ritmo trimestral da economia foi de, respectivamente, 1,3%, 0,8%, 0% e 0%.
Os setores que não são muito influenciados pela política econômica —agropecuário e indústria extrativa mineral— contribuíram com um ponto percentual, aproximadamente. Dessa forma, o crescimento dos setores cíclicos (influenciados pela política econômica) foi, em 2023, ao redor de 2%, ou 0,5% por trimestre.
Para 2024 e 2025, se a economia rodar a 0,5% por trimestre, o crescimento será, respectivamente, de 1,5% e 2%. Ou seja, um crescimento de 1,5% em 2024 não é muito diferente dos 2,9% de 2023, se considerarmos que, em 2024, a agropecuária não crescerá. É nesse sentido que o crescimento em 2023 foi um pouco pior do que o expressado no número oficial de 2,9% e o de 2024 será um pouco melhor do que o número fechado que o IBGE divulgará em março de 2025.
A inflação caminha para encerrar o ano em 3,5%, com Selic provavelmente a 9%. Há dois fatores favoráveis no quadro inflacionário em 2024: alimentos, que devem rodar a 3% a 3,5%, e bens industriais, que, com a pressão deflacionária da China, devem rodar próximos de 1%. A dúvida para 2025 é se haverá uma reinflação liderada pelos serviços.
A preocupação deve-se ao crescimento forte dos salários. Os salários reais, deflacionados pela inflação do PIB (Produto Interno Bruto), têm crescido 3% ao ano. A produtividade do trabalho no Brasil cresce menos do que 3%. Se não houver moderação do crescimento dos salários reais, observaremos, em algum momento à frente, aceleração da inflação de serviços.
A nota ruim da atividade econômica em 2023 foi a queda do investimento a preços constantes, de 2,9%. A economia não consegue engatar um ciclo longo de crescimento. Temos uma situação fiscal insustentável. Segundo a IFI (Instituição Fiscal Independente), o superávit primário estrutural acumulado em quatro trimestres terminados no terceiro trimestre de 2023 foi de -1,1% do PIB. Não estão dadas as condições para a estabilização da dívida pública.
Como tenho afirmado neste espaço há 11 anos, o desequilíbrio fiscal significa que não conseguimos ainda negociar nosso contrato social de forma sustentável. Sem essa condição, não é possível calcular o retorno de um projeto de investimento. A falta de horizonte dificulta a retomada do investimento.
Após um pico de 22,8% do PIB em 2013, a taxa de investimento, a preços de 2023, caiu para 16,9% em 2017. Houve leve recuperação para 19,7% do PIB em 2021. As incertezas políticas e a falta de uma solução para o desequilíbrio fiscal trouxeram-na para 18,2% do PIB em 2023. Teremos que esperar o próximo mandato presidencial para uma solução mais permanente do desequilíbrio fiscal. Até lá será difícil observamos um grande ciclo de aumento do investimento.
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Celso Furtado, quando terminou o manuscrito de seu clássico “Formação Econômica do Brasil”, enviou-o por carta de Cambridge para o editor no Rio de Janeiro. Houve extravio. Anos depois, Furtado achou o manuscrito extraviado em um depósito do correio “como material suspeito”.
Em sua autobiografia intelectual, escreveu: “Mais do que dos anos de observação e estudo, aprendi com esse episódio o que é o subdesenvolvimento, essa manifestação de idiotice alastrada no organismo social”. Ocorreu-me essa passagem em razão da proibição de que nossos alunos do ensino médio leiam o romance “O Avesso da Pele”, de Jeferson Tenório.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2024/03/atividade-em-2023-foi-um-pouco-pior-que-o-numero.shtml
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