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Ninguém sabe quanto custará o Nova Indústria Brasil

Folha

Programa Nova Indústria Brasil (NIB) foi anunciado prometendo desembolso de R$ 300 bilhões em quatro anos. Uma média de R$ 75 bilhões por ano.

Passou-se a associar esse valor ao custo do programa. Essa, contudo, é uma interpretação errada. Os R$ 300 bilhões referem-se a desembolsos no âmbito do programa. Desembolso não é sinônimo de custo.

Em um empréstimo feito por banco público, por exemplo, o valor desembolsado é pago de volta pelo devedor ao longo da vida do empréstimo, por isso não representa custo. O custo é o eventual subsídio existente na taxa de juros ou a perda provocada por inadimplência.

Vários dos instrumentos da NIB implicam custos para o Tesouro ou empresas estatais, mas eles não foram divulgados pelo governo. Tratamentos tributários diferenciados —conhecidos como “gastos tributários”— representam perda de receita.

Margem de preferência para fornecedores nacionais nas licitações significa que o governo aceita pagar mais caro, desclassificando a proposta mais barata de um fornecedor estrangeiro.

De modo similar, a exigência de conteúdo nacional na aquisição de insumos aumentará os custos de empresas como a Petrobras, e de ministérios como defesa e saúde, que são focos da “missão industrializante”. Há linhas de crédito subsidiadas e subvenções orçamentárias. Fundos garantidores de crédito têm impacto fiscal ao serem formados e ao registrarem perda por inadimplência.

Nenhum desses custos foi projetado e anunciado pelo governo. Um mau começo para quem faz juras diárias de que daqui para a frente as políticas públicas serão avaliadas. Como avaliar se não se sabe quanto vai custar?

O próprio anúncio dos R$ 300 bilhões pouca coisa diz sobre a potência da política, porque parte dos desembolsos de empréstimos de bancos públicos já estava programada e ocorreria mesmo se não houvesse a NIB. O anúncio bilionário parece ter tido o objetivo de dar ares grandiloquentes ao programa, gerando mais desinformação.

Há dados sobre o custo parcial das medidas de política industrial que já existem no presente e que precedem a NIB. A tabela abaixo compila o custo dos gastos tributários projetados pela LDO de 2024 relacionados a incentivos à manufatura (barateamento de insumos ou dos bens produzidos), a pesquisa e desenvolvimento e inovação.

Gastos tributários associados a incentivos à indústria manufatureira

Projeção da LDO para 2024

 Gasto tributárioPrazoR$ milhões
1Produtos químicos e farmaceuticosbIndeterminado10.799
2MedicamentosIndeterminado8.920
3Informática e automação31/12/20298.515
4Inovação e tecnologiaIndeterminado6.849
5Setor automotivo – Novos projetos N, NE, CO31/12/20256.302
6ROTA 2030 – Indústria automobilística31/12/20272.924
7Gás Natural LiquefeitoIndeterminado2.415
8Embarcações e aeronavesIndeterminado1.753
9Petroquímica31/12/20271.061
10TermoeletricidadeIndeterminado1.035
11Setor automotivo – Sudam, Sudene, Centro-Oeste31/12/2025410
12PADIS- Semicondutores31/12/2026346
13Máquinas e equipamentos – Pesq. C&TIndeterminado317
14MotocicletasIndeterminado293
15AerogeradoresIndeterminado215
16RETID – Indústria da defesa22/3/203235
17Embarcações – estaleirosIndeterminado11
18Tecnologia da Informação e de Telecom (TI & TIC)Indeterminado2

Total sem ZFM
R$ 52,2 bilhões (0,45% do PIB)

Zona Franca Manaus
R$ 32,5 bilhões (0,28% do PIB)

Total geral
R$ 84,7 bilhões (0,74% do PIB)

Fonte: Demonstrativo dos Gastos Tributários. PLDO 2024. Elaborado pelo autor.

Os itens selecionados representam um conceito bastante restrito de política industrial, que não leva em conta políticas de desenvolvimento regional ou de incentivos fora da área de manufatura, como os voltados ao setor de serviços.

Mesmo com esse conceito restrito, os gastos tributários atuais com benefícios à manufatura somam R$ 52 bilhões por ano. Se agregarmos o custo da Zona Franca de Manaus (ZFM) que, embora seja uma política regional, é também bastante focada no incentivo à manufatura, chegamos a R$ 85 bilhões por ano.

Note-se que esses valores se restringem a um tipo de incentivo, os gastos tributários, que se somam a outros também vigentes e não incluídos na tabela, como exigências de conteúdo local e subsídios creditícios.

Quase todos os programas são de duração indeterminada. Alguns, como a ZFM, têm prazo bastante elástico para acabar. Outros, como os incentivos ao setor automotivo, não têm enfrentado dificuldade em serem renovados no vencimento.

As perguntas óbvias são: todos esses gastos tributários são eficientes e merecem ser mantidos? Algum deles será extinto ou reformulado para compor a NIB?

Empilhar política sobre política, sem avaliar ou quantificar custos, não parece um bom caminho.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcos-mendes/2024/03/ninguem-sabe-quanto-custara-o-nova-industria-brasil.shtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Marcos Mendes