Artigos

Avanços e impasses na agenda fiscal de Haddad

Folha

Na semana passada, a IFI (Instituição Fiscal Independente) atualizou a série de déficit primário estrutural do governo central. O déficit primário estrutural é a diferença entre as despesas e receitas (em ambos os casos, não financeiras) do governo, excluindo gastos e receitas não recorrentes e a componente cíclica da arrecadação.

Esta última são as variações da receita causadas pelas oscilações da atividade econômica.
No ano passado, o déficit primário estrutural foi de 1,6% do PIB, revertendo superávit de 0,2% do PIB em 2022. Difícil sustentar que a herança fiscal de Paulo Guedes foi maldita.

A piora de 1,8 ponto percentual no resultado fiscal estrutural é resultado essencialmente da emenda constitucional da transição. Como argumentei neste espaço mais de uma vez, ela foi amplamente apoiada pela opinião pública, além de, evidentemente, ter sido aprovada pelo Congresso Nacional. É, portanto, obrigação da sociedade e do Congresso encontrar as bases tributárias para financiar o Estado brasileiro.

O arcabouço fiscal aprovado pelo ministro em 2023 tem o desenho correto, do ponto de vista dos mecanismos automáticos de ajustes a desequilíbrios, mas é insuficiente. A insuficiência decorre de o ponto de partida ser, como vimos, excessivamente deficitário. Em um país de juros elevados, não temos tempo.

Haddad tem priorizado ajuste fiscal por meio de medidas que fechem oportunidades de planejamento tributário e aumentem a arrecadação. A coluna tem sido solidária à agenda do ministro. Esperemos que haja um bom entendimento do Executivo com o Legislativo e que o Congresso aprove um cronograma de desmame da desoneração da folha de salários e do programa de ajuda aos setores de eventos.

Em algum momento no segundo semestre de 2024, ou em 2025, o ministro enviará para o Congresso projetos de lei com o objetivo de alterar aspectos do Imposto de Renda, com vistas a elevar a progressividade dos impostos.

A Receita Federal tem divulgado dados que documentam que, até as proximidades do topo da distribuição de renda, há progressividade: a renda se eleva e a alíquota média paga também aumenta. A partir dos últimos centésimos da distribuição de renda, o comportamento se inverte. Assim, não somente pela necessidade de financiar o Estado mas também por motivos de justiça distributiva, cabe elevar a tributação sobre as altas rendas.

Na semana passada, a jornalista Adriana Fernandes tratou dos impasses do ministro Haddad com a agenda tributária. Citou estudo feito por mim, encomendado pela Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas), que investiga a natureza do ajuste fiscal.

O estudo documenta que a tributação sobre o capital no Brasil não é baixa e, adicionalmente, que há muito evidência teórica e empírica de que tributar as empresas maiores —que são as que operam no regime tributário do lucro real— é ruim para a eficiência produtiva a longo prazo.

Há evidências da própria Receita de que a carga tributária sobre as empresas que operam nos regimes tributários especiais, Simples e lucro presumido, é relativamente baixa. Neles estão as maiores oportunidades de elisão fiscal, e, provavelmente, a regressividade tributária no topo da distribuição de renda está diretamente associada a esses regimes tributários especiais.

A grande dificuldade de Haddad é que é difícil imaginar uma pauta mais popular no Congresso brasileiro do que o apoio aos regimes tributários especiais. Há uma visão —absolutamente rejeitada pela teoria e pela evidência empírica— de que as pequenas empresas constituem o sustentáculo da economia. É o oposto. Elas são o sustentáculo da baixa produtividade.

A moral da história é que a reforma tributária da renda ainda não está amadurecida. Será tema, provavelmente, para 2025.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2024/03/avancos-e-impasses-na-agenda-fiscal-de-haddad.shtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Samuel Pessôa