Folha
O governo federal vai propor aos estados um programa de renegociação de dívida, que chamou de “juros por educação”: os estados pagarão menos à União na amortização da dívida, mas terão de usar os recursos para financiar o ensino médio.
Quem vê um Ministério da Fazenda se esforçando para aumentar receitas fica a perguntar por que ele se disporia a perdê-las, aceitando receber menos dos estados.
O fato é que o governo Lula está sendo coagido politicamente a fazê-lo, assim como o foram os governos Dilma, Temer e Bolsonaro. Todos eles renegociaram: reduziram o estoque da dívida e os juros, alongaram prazos, suspenderam temporariamente os pagamentos mensais.
Como apontei na coluna de 15/12/23, os estados adquiriram força política no STF e no Congresso, o que os permite forçar seguidos socorros federais. Pelo mesmo motivo os municípios estão conseguindo desconto no pagamento à Previdência, e os estados e municípios receberam gordas transferências durante a pandemia.
Se o Executivo não cede, enfrenta retaliação na votação de sua pauta no Congresso ou é forçado a renegociar por determinação do STF.
O resultado é um federalismo desequilibrado, em que os governos subnacionais têm incentivos para se manter deficitários e federalizar o custo do desequilíbrio.
Nas renegociações anteriores, o Executivo fez propostas duras, que exigiam ajuste fiscal. O Congresso sempre afrouxou os textos originais, tornando-os ainda mais favoráveis aos estados.
O que chama a atenção na proposta atual é que ela é frouxa já na partida, com potencial de fazer mais estrago que as anteriores.
A contrapartida exigida não é o controle de gastos, e sim o aumento de gastos no ensino médio.
Uma renegociação de dívida, ao reduzir os desembolsos com prestações, já estimula os beneficiários a gastar mais, dando uso ao dinheiro que antes quitava a dívida. Isso aumenta o déficit fiscal do setor público agregado e a sua dívida. Quando o governo federal, em vez de exigir aumento do superávit primário, para compensar o efeito acima, exige mais despesa, reforça a fragilização fiscal.
Nas renegociações anteriores, o Executivo fez propostas duras, que exigiam ajuste fiscal. O Congresso sempre afrouxou os textos originais, tornando-os ainda mais favoráveis aos estados.
O que chama a atenção na proposta atual é que ela é frouxa já na partida, com potencial de fazer mais estrago que as anteriores.
A contrapartida exigida não é o controle de gastos, e sim o aumento de gastos no ensino médio.
Uma renegociação de dívida, ao reduzir os desembolsos com prestações, já estimula os beneficiários a gastar mais, dando uso ao dinheiro que antes quitava a dívida. Isso aumenta o déficit fiscal do setor público agregado e a sua dívida. Quando o governo federal, em vez de exigir aumento do superávit primário, para compensar o efeito acima, exige mais despesa, reforça a fragilização fiscal.
A princípio, parece uma boa ideia induzir os estados a focar uma área em que há baixa qualidade de ensino e alta evasão. Contudo, quando olhamos os detalhes, os problemas aparecem.
A dificuldade do ensino médio não é de dinheiro, e sim de gestão e organização curricular, como exemplifica o debate sobre a lei do novo ensino médio. Desde 2018, quando foi aumentado o Fundeb pela emenda constitucional 108, o aporte federal no fundo dobrou de valor em termos reais, chegando a R$ 38 bilhões em 2023. Além disso, o número de jovens em idade de cursar o ensino médio caiu quase 20% entre os Censos de 2000 e 2022, o que aumenta ainda mais a disponibilidade de recursos per capita.
Ademais, dinheiro não tem carimbo. Exigir que os estados coloquem dinheiro da dívida no ensino médio não impede que eles reorientem a verba que hoje financia o ensino médio para outras despesas.
Um óbice ainda maior é que políticas federais de estímulo à educação devem atender uniformemente todos os estados, mas a dívida está concentrada em apenas quatro deles (SP, MG, RJ e RS), o que indica tratamento privilegiado à educação dos entes mais endividados. Certamente vai gerar demanda de ajuda adicional aos demais estados.
Outro problema está em aceitar ativos estaduais como pagamento de dívida. O histórico dessa prática é péssimo: superestimativa de valor, ações judiciais para reintegrar o ativo ao patrimônio do estado ou para reavaliar o valor da transação. O exemplo da companhia de energia de Alagoas, que se arrasta há duas décadas, deveria ser alerta suficiente.
Por fim, chama a atenção o fato de, ao mesmo tempo em que está renegociando um passivo de devedores supostamente sem condições de pagar uma dívida, o governo está ampliando os limites para esses mesmos governos se endividarem mais. Os limites legais impostos pelo Tesouro e pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) estão sendo afrouxados, como discuti na já citada coluna de 15/12/23.
Não há dúvida de que uma renegociação acontecerá por pressão política. Dar a largada nas negociações com uma proposta bem desenhada ajudaria a minimizar o prejuízo, o que não parece ser o caso atual.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcos-mendes/2024/04/outro-socorro-federal-aos-estados.shtml
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.