Globo
Horácio Lafer Piva, Pedro Passos e Pedro Wongtschowski
O sistema brasileiro de seguridade social tem o objetivo de assegurar à população direitos relativos à saúde, previdência e assistência social. Destas, a Constituição Federal estabelece que “a previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial” (artigo 201).
Esse equilíbrio referido é, portanto, imposição constitucional. A regra geral é que as empresas recolham para a seguridade social o correspondente a 20% das remunerações pagas, a qualquer título, a seus empregados e a pessoas físicas prestadoras de serviço. Ocorre que muitas instituições privadas não obedecem a esse mandamento, seguindo normas específicas que reduzem seu valor. São exemplos:
— Entidades beneficentes de assistência social, isentas de contribuição para a seguridade social, por força de disposição constitucional;
— Clubes de futebol, que recolhem, a título de contribuição patronal, o correspondente a 5% de sua receita bruta;
— Agroindústria, a título de contribuição patronal, recolhe o equivalente a 2,5% de sua receita bruta;
— Empregador rural pessoa física, que recolhe, a título de contribuição patronal, o correspondente a 2% de sua receita bruta;
— Nas entidades religiosas e instituições de ensino vocacional com “ministros de confissão religiosa, membros de instituto de vida consagrada, de congregação ou de ordem religiosa”, os valores despendidos não são considerados como remuneração para fins de cálculo da contribuição para a seguridade social.
Juntem-se os trabalhadores rurais que podem se aposentar mais cedo (mulheres aos 55 anos e homens aos 60) e não precisam contribuir para a Previdência, bastando ter um mínimo de 180 meses de atividade rural comprovada;
E há, por fim, a “desoneração da folha de pagamentos”, mecanismo que substitui a contribuição previdenciária patronal de 20% da folha salarial por um percentual da receita bruta (entre 1% e 4,5%) para 17 setores, sendo evidente que o valor recolhido passa a ser menor para as empresas beneficiadas.
O Brasil está envelhecendo. A expectativa de vida ao nascer em 2022 era de 75,5 anos, número que (felizmente) vem crescendo ano a ano. Em 1950 era de 47, em 1970 foi de 57, e em 2000, 70. Para fins previdenciários, o mais importante é a expectativa aos 60 anos, e esta passou de 80,3 anos em 2000 para 83 anos em 2021. Isso tem óbvias consequências sobre a saúde do sistema previdenciário.
A aprovação, em 2009, da figura do microempreendedor individual (MEI), criada para formalizar trabalhadores autônomos, levou a que, em 2023, esse universo representasse 74,6% das empresas brasileiras. Atualmente as MEIs descontam contribuição previdenciária mensal de R$ 70,60 para ter direito a uma aposentadoria de um salário mínimo, o que evidentemente não se sustenta atuarialmente.
O déficit da Previdência para os trabalhadores do setor privado em 2023 foi de R$ 290 bilhões, com a contribuição rural representando cerca de 60% do total.
Enquanto isso, os ministros do Trabalho, Luiz Marinho, e da Previdência, Carlos Lupi, afirmam que a Previdência Social não tem déficit…
Os contribuintes listados, microempresários, funcionários de entidades assistenciais, trabalhadores rurais, funcionários de clubes de futebol e tantos outros contribuem menos, mas recebem benefícios iguais aos dos que contribuem segundo as regras gerais. Essa conta não fecha, e o déficit da Previdência acabará por demandar partes crescentes do gigante, mas apertado, Orçamento público.
É preciso rever as regras num ajuste das contribuições, para que elas sejam as necessárias para viabilizar atuarialmente o sistema. Provavelmente a medida mais relevante será a desvinculação dos benefícios previdenciários da política de valorização do salário mínimo. Pode também ser este o momento de rediscutir se faz sentido continuar com o tratamento diferente para homens e mulheres.
E agora, ainda por cima, há a tentativa de desonerar a contribuição de 3.450 municípios onde os servidores se aposentarão pelo Regime Geral de Previdência Social, o que corresponde a 4,12 milhões de pessoas.
A matemática é clara e está à disposição para enfrentar argumentos e resistências dos que não querem ver um Brasil de futuro economicamente sustentável. Insistir no caminho atual é tirar o fundo do buraco onde as previsões das contas públicas já infelizmente se encontram.
Link da publicação: https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2024/05/buraco-da-previdencia-e-sem-fundo.ghtml
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