Entrevistas

‘Discussão sobre gasto pode ajudar Copom’, diz Mesquita

Ex-diretor do Banco Central prevê decisão unânime pela manutenção da taxa de juros nos atuais 10,5% ao ano

Valor

Uma eventual decisão unânime do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) pela manutenção dos juros básicos da economia em 10,5% ao ano ajudaria, mas sozinha não resolveria o problema da desancoragem das expectativas de inflação. O ex-diretor do BC Mário Mesquita diz que “não há bala de prata”, mas uma combinação de iniciativas do governo poderia ser benéfica.

“Aparentemente, o Ministério da Fazenda, com o apoio do Planejamento, conseguiu destravar dentro do governo a discussão sobre contenção de gastos”, disse Mesquita em entrevista ao Valor, concedida no edifício do Itaú Unibanco na Faria Lima, onde ele é economista-chefe. “Isso é superimportante também para começar a trabalhar para reduzir o risco fiscal.”

Ele prevê que o Copom vai, de fato, manter a taxa básica nesta quarta-feira em 10,5% ao ano, encerrando um ciclo de distensão monetária que começou em agosto de 2023. Também acredita que o cenário mais provável é uma decisão unânime. A publicação do decreto que estabelece oficialmente a meta de inflação de 3% de forma contínua, sem precisar ser definida anualmente pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), atua na direção de fortalecer a confiança.

“Consenso no Copom, a publicação do decreto da meta contínua e o avanço nessa discussão sobre o gasto que o Ministério da Fazenda conseguiu destravar poderiam levar a uma redução do risco, uma certa apreciação da moeda, uma redução da inclinação da curva de juros”, diz.

Apesar de toda a dificuldade em torno do equilíbrio das contas públicas, Mesquita considera que o país não vive uma situação de dominância fiscal – quando altas de juros levam a uma aceleração da inflação, em vez de baixá-la, porque agravam os riscos de insolvência do setor público.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: O que está esperando para esta reunião do Copom?

Mário Mesquita: Espero que decidam pela manutenção da taxa de juros em 10,5% por unanimidade.

Valor: Por quê?

Mesquita: É consistente com a sinalização do Banco Central. Fatores importantes para a projeção de inflação que é apresentada ao Copom se alteraram de forma adversa desde a última reunião. A taxa de câmbio está acima de R$ 5,40 e a expectativa de inflação subiu. Dada essa piora, a decisão mais natural seria interromper o ciclo de cortes de juros.

Valor: E por que unanimidade?

Mesquita: O dissenso na última reunião foi apresentado mais como tático do que estratégico. A reação dos preços de ativos ao dissenso também foi muito ruim, contribuiu para a própria depreciação cambial que veio depois. Isso também advoga pelo consenso.

Incerteza sobre a política econômica implicou um aumento importante no dólar, de 20 ou de 30 centavos”

Valor: Uma decisão unânime seria capaz de estancar esse processo de deterioração das expectativas?

Mesquita: Acho que ajuda, assim como ajuda a aparente iminente publicação do decreto regulamentando a meta de inflação contínua em 3%. Aparentemente, o Ministério da Fazenda, com o apoio do Planejamento, conseguiu destravar dentro do governo a discussão sobre contenção de gastos. Isso é superimportante também para começar a trabalhar para reduzir o risco fiscal. Consenso no Copom, a publicação do decreto da meta contínua e o avanço nessa discussão sobre o gasto que o Ministério da Fazenda conseguiu destravar poderiam levar a uma redução do risco, uma certa apreciação da moeda, uma redução da inclinação da curva de juros. Não tem uma solução, não tem bala de prata, mas uma combinação de iniciativas poderia favorecer.

Valor: Se o Banco Central de fato parar de baixar o juro agora, teremos uma taxa de 10,5% ao ano. Ela é restritiva o suficiente para levar a inflação para a meta?

Mesquita: Na projeção dele, sim. Se o câmbio continuar se depreciando, as expectativas piorando, pode ser que o cenário se altere. A projeção, por mais que os modelos tenham os seus limites, acaba sendo a forma mais simples de você pensar a política monetária. Todo fator que eleva a projeção de inflação do BC é, um ou dois passos adiante, algo que pode levar o BC a aumentar a taxa de juros. Da mesma maneira, agem fatores que podem baixar. A gente projeta a Selic em 10,5% e no final desse ano e 10,5% no final do ano que vem, muito por conta da incerteza que a gente vê pelos dois lados no cenário.

Valor: Existe um cenário possível em que a manutenção do juro não seria suficiente?

Mesquita: Sim, se você tiver uma piora adicional. Vamos supor que as expectativas de inflação vão para 4% ou 4,5%. Aí não tem jeito. Vão mostrar a necessidade de subir. Da mesma forma, se elas forem para 2%, vão mostrar a necessidade de reduzir.

Valor: Não há uma certa intolerância do mercado financeiro sobre o Copom divergir?

Mesquita: O dissenso não é tão raro assim na história do Copom. Tem mais dissenso no Copom do que no Fomc, apesar de o Brasil ser um país que não tem as tradições democráticas dos Estados Unidos. No Copom, é muito difícil você ter um ano inteiro sem algum dissenso. Em alguns períodos tem mais, em outros períodos tem menos. Acho que talvez a reação do mercado tenha sido porque os diretores que votaram pelo ritmo mais acelerado de cortes são diretores que vão continuar no Banco Central, ao passo que os diretores que tiveram a postura mais cautelosa fazem parte, entre aspas, da velha diretoria. Mas o comitê como um todo alinhou muito a sua comunicação desde então. Se havia uma diferença de opiniões naquela conjuntura, ela deve ter diminuído bastante. O mercado tende a reagir favoravelmente a essa convergência. O que o mercado tem preocupação é com grande descontinuidade de política monetária lá na frente. Na convergência de opiniões e do voto, você limita um pouco essa preocupação. A beleza do Copom é que, a cada reunião, assim como você pode perder credibilidade, você pode construir. Acho que é para lá que a gente vai caminhar.

Valor: O comunicado do Copom não explicou os votos dissidentes na última reunião. As motivações ficaram para a ata. Tem algo que pode ser feito para melhorar isso?

Mesquita: Nenhuma mensagem crítica deve estar só na ata. Se você tem uma mensagem muito importante, deve dar no comunicado e depois elaborar em cima disso na ata. O comunicado atual não é sucinto como antigamente. Você tem espaço para botar as mensagens críticas.

O dissenso não é tão raro assim na história do Copom. Tem mais dissenso no Copom do que no Fomc, nos Estados Unidos”

Valor: Valeria conceder uma entrevista coletiva depois da reunião do Copom, como fazem o Fed e o Banco Central Europeu (BCE)?

Mesquita: Isso pode acabar, no calor da hora, gerando mais ruído do que sinal. Mesmo as conferências de imprensa do Fed e do BCE às vezes acabam tendo mais influência sobre o mercado do que a própria decisão. Um caso recente apontou para uma tranquilidade do Fed com a perspectiva de corte de juros que, quando saiu a ata, não estava lá. Prefiro me ater aos documentos.

Valor: O Brasil está sofrendo algum tipo de dominância fiscal?

Mesquita: Não é dominância fiscal no sentido de ter que subordinar a política monetária à necessidade de financiamento do governo. Mas isso não quer dizer que a política fiscal deixe de ter uma importância grande. Quando você tem uma percepção de deterioração fiscal, seja correta ou não, o risco Brasil começa a ficar pressionado, num cenário externo que não é dos mais favoráveis. Tende a elevar a depreciação cambial. Depreciação cambial hoje vira inflação lá na frente. Essa é uma forma pela qual a piora da percepção sobre o fiscal pode levar a uma piora das expectativas.

Valor: Se a política monetária é crível e poderia dominar o fiscal, a expectativa de inflação não deveria estar ancorada?

Mesquita: A política monetária está subordinada à política fiscal? Não. Mas você precisa praticar taxas de juros mais elevadas para conter a inflação, quando você tem um fiscal mais expansionista. O mercado pode questionar se você vai ou não fazer isso. Mas ainda é uma situação em que a política monetária tem bastante autonomia em relação à política fiscal, mas não é que o fiscal deixe de ser relevante.

Valor: A oficialização da meta contínua de inflação modifica de alguma maneira o trabalho do Banco Central na prática?

Mesquita: O BC já vem fazendo isso, ele tem trabalhado dentro dos intervalos de tolerância que o regime permite. Você não precisa fazer um ajuste imediato a qualquer desvio [da inflação em relação à meta], o que não quer dizer que você deva conviver por períodos prolongados com desvio. A vantagem da meta contínua é que é muito melhor para ancorar a expectativa. Volta e meia você tinha dúvidas sobre qual seria a meta definida a cada ano. Agora é transparente, é 3%, provavelmente por um tempo prolongado.

Valor: Seria uma boa ideia antecipar o anúncio do nome do futuro presidente do Banco Central?

Mesquita: Vejo a antecipação como uma boa ideia. Primeiro, você reduz um elemento de incerteza. Segundo, por razões operacionais. O Congresso vai estar ocupado no segundo semestre com as eleições. Depois volta e tem que lidar com o Orçamento.

Valor: A realidade do saldo comercial de US$ 80 bilhões esperado para este ano vai se impor como um teto para a alta do dólar?

Mesquita: Primeiro que a gente nunca deve esquecer que boa parte de movimento do dólar aqui reflete o dólar no mundo. Enquanto os Estados Unidos estiverem crescendo mais do que outras economias maduras, vai ser difícil ver um fortalecimento do real. Isso coloca um piso para o dólar aqui, digamos assim. E o risco Brasil a gente não vê mudando. Acho que piorou. Pode ser que ele caia um pouco com medidas de cunho fiscal. Mas não deve ser suficiente para colocar a moeda numa trajetória muito forte de apreciação, dado o contexto do dólar. Se o contexto do dólar mudar, sim, você pode pensar em apreciação mais intensa. A nossa conta é que o aumento da incerteza sobre a política econômica implicou um aumento importante no dólar, de 20 ou de 30 centavos. Dá para reverter? Dá, assim como o problema veio, ele pode ser administrado. A conta corrente vinha ajudando bastante, só que começou a piorar de forma relativamente intensa. As importações estão crescendo mais. O real até pode se apreciar um pouquinho, mas voltar para os R$ 4,90 parece mais desafiador.

Link da publicação: https://valor.globo.com/financas/noticia/2024/06/19/discussao-sobre-gasto-pode-ajudar-copom-diz-mesquita.ghtml

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