Sob gestão do ex-banqueiro Fábio Barbosa, empresa vendeu marcas, enxugou infraestrutura e diminuiu número de revendedoras
Folha
“Pelezista”, Fábio Barbosa teve que enfrentar o contraditório desde cedo. “Sou o caçula de uma família de corintianos, mas, por causa do Pelé, passei a torcer para o Santos“, diz à Folha o presidente da Natura&Co, que exibe na parede do escritório uma foto do Rei do Futebol e sabe de cor quem foram os principais patrocinadores do time da baixada santista.
Na lista está o Santander, banco que patrocinou a Libertadores de 2011, quando o Santos foi campeão. “Foi por acaso”, despista.
O administrador de empresas de 70 anos, com extensa carreira no mercado financeiro –além dos bancos Real e Santander, ocupou posições de liderança no Citibank, Febraban (Federação Brasileira de Bancos) e é conselheiro do Itaú Unibanco–, acaba de completar dois anos à frente da Natura&Co, onde também precisou caminhar na contramão.
Barbosa desfez o sonho da Natura&Co de se tornar uma “L’Oréal brasileira”, um conglomerado de marcas famosas, ao voltar atrás nos movimentos de aquisição. O grupo continua sendo um dos maiores fabricantes globais de cosméticos e produtos de higiene pessoal, mas, sob o comando do executivo, diminuiu de tamanho.
Ele vendeu a australiana Aesop (que havia sido comprada em 2013) e a britânica The Body Shop (adquirida em 2017). Ficou “apenas” com as duas principais marcas: Natura e Avon –mas tem o objetivo de desmembrar essa última, para tornar todas as operações Avon fora da América Latina, a Avon International, uma empresa à parte, de capital aberto. A proposta foi anunciada em fevereiro e está em análise.
Na prática, porém, Natura-Avon América Latina e Avon International já operam separadamente, como parte da missão do principal executivo do grupo que, ao assumir, recebeu três grandes metas: acertar o caixa da empresa, simplificar a sua estrutura operacional e recuperar a margem de lucro.
“Eu acredito no mundo do ‘E’ e não do ‘OU’. Você faz a coisa certa e isso traz resultados. Não fica tentando uma coisa ou outra para ver se o resultado aparece”, disse.
“No Brasil existe uma valorização excessiva da malandragem, da ideia de que é preciso transgredir para dar certo, mas não sou bom em dar jeitinho. Para mim, o objetivo do CEO é perenizar a empresa, não maximizar o resultado.”
A Natura&Co registrou prejuízo de R$ 935 milhões no primeiro trimestre de 2024, um aumento de 43% em relação às perdas do mesmo período do ano passado. “Nós fizemos uma limpeza no balanço e aproveitamos para incluir itens extraordinários”, diz Barbosa. Entre eles, ajustes contábeis relacionados à venda da The Body Shop (em novembro) e perdas por conta da desvalorização cambial na Argentina. Fora isso, o lucro líquido ajustado da companhia seria de R$ 21 milhões.
Em relatório, o banco Goldman Sachs afirmou que o grupo continua a trazer “tendências encorajadoras” envolvendo o “crescimento robusto” da marca Natura no Brasil, bem como ganhos gerais de margem provenientes da otimização do portfólio, do mix de produtos e do aumento de preços. “No entanto, o resultado final também continuou a ser afetado por impactos não recorrentes”, informou.
Hoje a Natura&Co apresenta uma dívida líquida negativa de R$ 2,2 bilhões –ou seja, a empresa tem mais caixa do que dívida. Dois anos atrás, a dívida líquida beirava os R$ 5 bilhões.
‘COMPRA DA AVON FOI NO MOMENTO ERRADO’
“A empresa tomou decisões erradas, em um momento errado”, diz ele. “A aquisição da Avon foi em janeiro de 2020. Dois meses depois, veio a pandemia. Dois anos depois, em fevereiro de 2022, por causa da guerra na Ucrânia, vieram as restrições à Rússia, o terceiro maior mercado da Avon”, afirma.
A disposição do grupo de promover sinergias entre as então quatro marcas foi revista imediatamente. “Estava sendo montada uma estrutura pesada em Londres para gerenciar as operações da The Body Shop e da Aesop, até uma holding da Avon na cidade estava sendo criada”, diz Barbosa. “A gente começou a centralizar demais, as unidades de negócio ficavam sem autonomia, o que tornava a empresa morosa.”
A venda das marcas australiana e britânica ajudou a aliviar a infraestrutura. Mas ainda era preciso mais: ideias como adotar um único sistema de recursos humanos para todas as unidades, padronizar a política de remuneração de incentivos ou mesmo buscar uma harmonia entre as plataformas de tecnologia da informação foram abandonadas.
“Em vez de ter uma holding que interfere neste tipo de decisão, vamos buscar sinergias onde elas realmente existem, como nas operações de Natura e Avon na América Latina”, afirma o executivo, destacando que a região responde por 80% das vendas do grupo.
Em cada um dos 14 países latinos em que atua, a união de forças entre Avon e Natura passou a ser prioridade. “Agora as consultoras ainda fazem um pedido para cada marca, mas a cliente começa a receber um só pacote”, diz Barbosa. Todo esse processo, digitalizado, já ocorre na Colômbia e no Peru e vem avançando no Brasil.
Para aumentar a margem de lucro –hoje em torno de 11%, contra 7% de dois anos atrás–, o grupo também reajustou preços, diminuiu linhas de produtos, reduziu custos. A empresa procurou racionalizar a linha de Casa & Estilo, de utilidades domésticas da Avon que, segundo Barbosa, é muito atraente para as consultoras, mas apresenta margem muito reduzida.
Hoje cada uma das marcas trabalha com relativa independência. “Não dá para exigir sinergias entre a Natura no México e a Avon na Rússia, ou mesmo entre a Avon da Coreia e a das Filipinas”, diz Barbosa. “Não só são moedas, mas culturas e posicionamento de marca muito diferentes.”
MAIS LOJAS, MENOS CONSULTORAS
Atualmente o foco é crescer em rentabilidade, explorando mercados latinos com grande potencial, onde as marcas ainda não cresceram o suficiente (como o México), além de ampliar os canais de venda –como o comércio eletrônico e, especialmente, as lojas Natura.
Esse sempre foi um ponto sensível para a Natura&Co, por conta da concorrência com as consultoras. “Mas elas representam mais de 90% das vendas”, diz Barbosa. No ano passado, só no Brasil, a empresa viu o número de revendedoras cair 15%, para 1,8 milhão. Nos outros países da América Latina, a queda foi de 18%. Segundo o grupo, a redução faz parte da estratégia de só manter as consultoras mais produtivas.
Hoje a empresa tem 112 lojas próprias no Brasil e 25 no Chile. Ao todo, incluindo as franquias, são 930.
“A gente precisa estar onde o cliente está. Já tivemos consumidores lamentando o fato de não encontrarem os produtos da Natura dentro de uma loja, um espaço para ele escolher, provar, conhecer os produtos”, diz Barbosa. “Nossa estratégia é multicanal: se a consultora não tem o produto, encaminha o cliente para a loja ou para o e-commerce. Quando o consumidor decidir comprar o produto de novo, a preferência com certeza será dela.”
Quem compra online pode indicar uma revendedora no momento de finalizar a compra. Hoje o e-commerce da Natura (sem a mediação de uma consultora) representa apenas 3% das vendas, enquanto as lojas respondem por cerca de 6%.
RAIO-X NATURA&CO
Fundação: 1969
Sede: Cajamar (SP)
Marcas: Natura e Avon
Presença: 14 países da América Latina e 37 da Avon International
Funcionários: 19 mil
Produção: cinco fábricas (Brasil, Argentina, México e Polônia) e 19 centros de distribuição
Lojas: 930 (próprias e franquias)
Consultoras: 6 milhões
Receita líquida*: R$ 26,7 bilhões
Lucro líquido*: R$ 3 bilhões
Principais concorrentes: Grupo Boticário, Grupo L’Oréal e Unilever
*dados de 2023
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2024/06/nao-sou-bom-em-dar-jeitinho-diz-ceo-da-naturaco.shtml
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