Folha
Em plena ação do “pragmatismo de coação”, expressão cunhada por Tony Volpon, o governo Lula anuncia algumas medidas de contenção de despesas. Não sabemos ao certo o que é real ou somente espuma para alegrar momentaneamente o mercado.
De qualquer forma, sempre que o câmbio desvaloriza em função de aumento do risco Brasil diversos economistas têm a resposta pronta: vamos fechar a conta de capital.
Podemos fechar a conta de capital. No continente, entraremos para o clube formado pela Venezuela e Argentina.
“Mas e a China?”, perguntariam os defensores do fechamento da conta de capital. De fato, a China mantém a conta de capital fechada. Muito fechada.
A China é uma economia em que o capital é muito abundante. O adjetivo muito não é nenhum exagero. Deve ser a economia que opera com a maior relação capital-produto que há. Se o capital é abundante, os juros domésticos são inferiores aos juros internacionais. Há pressão por saída de capitais. A ditadura chinesa não deseja que seus cidadãos enviem capital para fora. Fecham a conta de capital. Vale enfatizar: a China apresenta a maior taxa de poupança do mundo.
O Brasil tem uma das menores taxas de poupança do mundo. Se a poupança é baixa, a taxa de juros doméstica é maior do que a internacional. Se a conta de capital for fechada, os juros domésticos serão definidos pelo equilíbrio interno entre investimento e poupança. Elevar-se-ão, portanto.
Com a conta de capital aberta, os juros domésticos são dados pelo juro internacional somado ao risco Brasil.
Nas contas que fiz com meu colega do FGV Ibre Bráulio Borges há alguns anos (com a pandemia houve quebra estrutural nos modelos, que ainda não estão funcionando bem), o juro neutro doméstico é a soma da taxa neutra de juros americana com a medida de risco EMBI Brasil.
Para reduzir o juro doméstico temos que buscar políticas que reduzam o risco país. A melhora das contas públicas, com a elevação do superávit primário, é a medida mais eficaz para reduzir o risco-país.
Mas será que não podemos adotar controles à mobilidade de capital? O Chile pratica. Sempre podemos adotar controles à mobilidade de capital. Aqui a dificuldade está no desenho da política. Certamente o controle precisa ser na entrada. Controle na saída eleva muito a percepção de risco e, consequentemente, eleva o juro interno.
Mas há outras diferenças importantes entre o Brasil e o Chile, que indicam que nunca podemos ter o grau de intervenção no câmbio do Chile. Se tivéssemos a carga tributária do Chile, o gasto público do Chile, o sistema previdenciário do Chile e a taxa de poupança doméstica do Chile, poderíamos ter as instituições chilenas. Com as nossas escolhas, não podemos. Podemos, mas aí teremos que arcar com as consequências: juros domésticos ainda maiores.
A conta de capital aberta é a forma de uma economia com baixíssima poupança doméstica reduzir os juros domésticos. O câmbio tem se desvalorizado mais intensamente no Brasil do que nos demais emergentes pois temos um problema que nos destaca em relação aos nossos pares: uma dívida interna muito elevada e sem clareza nas condições de seu financiamento nos próximos anos.
O câmbio é o termômetro de nossas dificuldades fiscais e de nossa dificuldade em gerenciar nosso conflito distributivo. Piorar a qualidade do termômetro —fechar a conta de capital ou impor limites à saída de capital— não solucionará nossos problemas.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2024/07/fechar-a-conta-de-capital.shtml
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