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Como alfabetizar nossas crianças?

Como a gestão educacional é descentralizada e cada município tem independência para implementar as políticas que achar adequadas, as chances de sucesso de programas descentralizados são bem menores

Valor

Desde os anos 1990, conseguimos aumentar bastante a permanência dos jovens na escola. Porém, ainda não conseguimos melhorar de forma significativa o aprendizado dos nossos alunos, apesar de todos os esforços da sociedade, incluindo seguidos aumentos de recursos. As dificuldades começam pelo processo de alfabetização. Por que é tão difícil alfabetizar as nossas crianças? Quais seriam as políticas mais efetivas para melhorar o aprendizado no Brasil?

O desempenho dos nossos alunos nos exames internacionais de aprendizado é muito ruim em todas as faixas etárias, tanto nas escolas públicas como na maioria das escolas privadas. Já aos 10 anos de idade, as crianças brasileiras estão entre as últimas colocadas nas provas internacionais de leitura. Assim, quando chegam aos 15 anos, 70% dos nossos jovens não conseguem alcançar os níveis básicos de proficiência em matemática, ciências e leitura. Como consequência, ao atingir a idade adulta, somente 12% dos brasileiros são plenamente alfabetizados, ou seja, são capazes de elaborar textos complexos e interpretar tabelas e gráficos elaborados.

Dois fatores principais contribuem para explicar este nosso relativo fracasso escolar. Em primeiro lugar, grande parte das nossas crianças ainda cresce em condições de alta vulnerabilidade. Apesar dos grandes avanços sociais realizados nos últimos anos, muitas crianças ainda moram em casas que não têm saneamento básico e vivem em regiões muito violentas, com famílias que ainda têm dificuldades para comprar roupas e pagar por remédios, transporte e lazer.

Ao atingir a idade adulta, somente 12% dos brasileiros são plenamente alfabetizados

Muitas das crianças que vivem nestas famílias não conseguem se desenvolver plenamente. Isso afeta suas habilidades cognitivas, como raciocínio e memória, e também as habilidades socioemocionais, como persistência e concentração, que são muito importantes na escola e no mercado de trabalho. Estas crianças muitas vezes não conseguem se concentrar nos estudos, fazer a lição de casa, nem persistir após tirar notas baixas, e acabam saindo da escola.

Para começar a resolver este problema, o governo federal assinou recentemente um decreto para instaurar a “Política Nacional Integrada para a Primeira-Infância (PNIPI). O principal componente desta nova reforma é integrar os dados dos vários ministérios que atendem as crianças brasileiras. O Ministério da Educação, por exemplo, é responsável pela creche e pré-escola, ao passo que o Ministério da Saúde coordena os programas da atenção básica da saúde. Já o Ministério da Assistência Social tem milhões de famílias com crianças no seu cadastro único e no Programa Criança Feliz.

Estudos mostram que as iniciativas que têm maior impacto nas crianças são as multifacetadas, que englobam educação, saúde física e mental e assistência social. Se identificarmos as crianças que são atendidas por cada um dos programas dos vários ministérios por meio do seu CPF, poderemos conhecer os déficits de atendimento de cada uma delas e procurar corrigi-los. Por exemplo, uma criança pode estar recebendo o Bolsa Família, mas não estar matriculada na creche, enquanto outra pode estar incluída na estratégia Saúde da Família, mas não estar no Cadastro Único.

As iniciativas do governo federal que envolvem somente seus próprios ministérios têm mais chance de funcionarem, pois suas equipes são mais qualificadas. Por exemplo, estas equipes já implementaram as urnas eletrônicas, a declaração de imposto de renda pré-preenchida, as carteiras digitais de vacinação e de motorista. Tudo isto está acessível rapidamente no site “gov.br”.

Mas este será apenas o primeiro passo para resolvermos o problema de alfabetização. Depois disto, teremos que lidar com a questão da gestão escolar, que é bem mais difícil. Quando as crianças chegam na escola, encontram um sistema educacional que não funciona a contento na maioria das cidades. No caso da alfabetização, por exemplo, a tecnologia que deve ser utilizada para ensinar as crianças a ler e escrever é conhecida. Todos os professores da rede pública deveriam ser capazes de aplicá-la. Mesmo assim, as redes só conseguem alfabetizar metade das nossas crianças.

Para tentar resolver este problema, o governo federal lançou no ano passado o “Compromisso Nacional Criança Alfabetizada”, definindo iniciativas, métricas e metas para alfabetização, medidas a partir dos testes padronizados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB). O novo plano envolve parcerias dos Estados e municípios, além de iniciativas de formação de professores e avaliações externas. Apesar dos esforços do governo federal, não devemos esperar que todos os municípios alcancem suas metas, pois a adesão à política é voluntária e muitos municípios não serão capazes de alfabetizar suas crianças, mesmo em parceria com os Estados.

O problema central é que a responsabilidade de ensinar as crianças a ler e escrever está a cargo de cada uma das mais de 5.500 secretarias municipais de educação, espalhadas por todos os municípios brasileiros, grande parte dos quais têm menos de 20.000 habitantes. Na maior parte destes municípios, as secretarias não têm estrutura suficiente para implementar políticas educacionais baseadas em evidências, como ensinar as crianças a ler e escrever. Além disso, muitos prefeitos não estão dispostos a investir o seu capital político em amplas reformas educacionais, tratando o aprendizado como prioridade, pois os incentivos são baixos e o retorno político incerto.

Por isso, é tão difícil transpor a experiência bem-sucedida de Sobral para o país inteiro, mesmo que alguns dos responsáveis por este caso de sucesso estejam agora no Ministério da Educação. Uma alternativa seria oferecer, além das parcerias, apoio operacional direcionado e incentivos financeiros para os municípios que atingirem as metas de alfabetização. Mas as iniciativas existentes de transferências de recursos para os municípios com base em resultados estão enfrentando grandes dificuldades de implementação.

Em suma, como a gestão educacional é descentralizada e cada município tem independência para implementar as políticas que achar adequadas, as chances de sucesso de programas descentralizados são bem menores. Já as iniciativas do governo federal que envolvem apenas seus próprios ministérios têm mais chance de funcionar. Para melhorarmos o aprendizado será necessário formular programas multissetoriais na primeira infância e desenhar um sistema de apoio e incentivos que faça com que os municípios queiram empreender todos os esforços possíveis para alfabetizar suas crianças.

Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/como-alfabetizar-nossas-criancas.ghtml

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Sobre o autor

Naercio Menezes Filho