Entrevistas

Corte de gastos para atingir meta deve ser triplicado, diz economista

É o que estima Marcos Mendes, especialista em contas públicas. E isso além do contingenciamento já anunciado pelo governo de R$ 4 bilhões

Metrópoles

Na estimativa do economista Marcos Mendes, um dos maiores especialistas em contas públicas do país, o contingenciamento de R$ 4 bilhões anunciado pelo governo na semana passada é insuficiente para atingir a meta fiscal de 2024, que prevê déficit primário zero.

Dito em números, Mendes estima que é necessário um corte de mais R$ 15 bilhões das despesas federais para que esse objetivo seja alcançado. Ou seja, o montante que falta equivale a mais do que o triplo do valor divulgado. E isso para que as contas públicas fiquem no limite inferior da meta (0,25% do PIB).

Mas o economista, pesquisador associado do Insper, vê chances minúsculas disso acontecer. Para ele, o governo usa uma “estratégia de empurrar com a barriga” o problema fiscal, superestimando receitas e subestimando despesas. Com isso, faz um contingenciamento menor do que o necessário para bater a meta deste ano. Como isso acontece? É o que Marcos Mendes explica, a seguir, em entrevista ao Metrópoles.

Como o governo está lidando com a meta fiscal?

O governo tem usado a estratégia de empurrar com a barriga o problema fiscal. Ele superestima a receita e, ao mesmo tempo, subestima a despesa ao longo do ano. Com isso, faz um contingenciamento de gastos menor do que o necessário para atingir a meta. Depois, no fim do ano, provavelmente vai realizar um ajuste mais forte para resolver o problema. Isso também ajuda a evitar um conflito dentro do governo.

Que conflito?

O governo está dividido. E o Fernando Haddad mantém um pé em cada canoa. Ao mesmo tempo que é ministro da Fazenda – e tem responsabilidade de atingir a meta fiscal que ele mesmo fixou –, tem de falar para dentro do partido, porque é um virtual candidato à sucessão do presidente Lula. Então, ele não pode se descolar do partido e grande parte do PT não quer meta fiscal nenhuma. Além disso, o presidente da República é bastante refratário à ideia de ajuste. E toda vez que temos um ministro da Fazenda com aspirações políticas a disciplina fiscal sai perdendo.

Por quê?

Isso limita a possibilidade de o ministro tomar as medidas necessárias para equilibrar as contas. Então, é um pouco isso o que está acontecendo. Além de superestimar receitas e subestimar despesas, estão mirando na banda inferior da meta, que é de menos de R$ 29 bilhões, o equivalente a cerca de 0,25% do PIB. Essa estratégia de empurrar com a barriga a questão fiscal foi usada no ano passado, quando o governo prometeu um déficit primário de 1% do PIB (Produto Interno Bruto), mas ele ficou em 2,12%. E só fez o ajuste no fim do ano. Este ano está acontecendo de novo.

Esse quadro mudou no relatório de receitas e despesas do terceiro bimestre de 2024 divulgado pelo governo na semana passada?

Houve um belo ajuste na despesa. O governo aumentou a projeção de gastos dos Benefícios de Prestação Continuada (BPC, que garante um salário mínimo para pessoas de baixa renda a partir de 65 anos) e da Previdência, mas a receita continua muito superestimada.

Qual é sua previsão para o resultado fiscal deste ano?

Com uma estimativa razoável de receita e despesa, acredito que o déficit primário vai ficar em torno de R$ 92 bilhões neste ano. Desse valor, devem ser descontadas despesas como as provocadas pela tragédia no Rio Grande do Sul, que chegam a R$ 29 bilhões. Então, temos um déficit de R$ 63 bilhões. Esse valor está R$ 34 bilhões acima do limite inferior da meta fiscal, que, como mencionado, é R$ 29 bilhões.

O governo anunciou um contingenciamento na semana passada. Ele é insuficiente?

Sim. O governo só contingenciou R$ 4 bilhões. Teria, portanto, de contingenciar mais R$ 30 bilhões. E não tem espaço político para isso.

Na semana passada, na verdade, o governo anunciou cortes de R$ 15 bilhões. O senhor pode explicar o que esse valor representa?

Existem duas metas diferentes que devem ser cumpridas. Uma é a do resultado primário, que é de zero neste ano. A outra é a do limite de despesas, que é de R$ 2,105 trilhões em 2024. Em relação ao segundo caso, o do limite, existem gastos obrigatórios que estão crescendo mais do que o previsto, como é o caso da Previdência e do BPC. Então, o governo tem de cortar as despesas discricionárias (não obrigatórias) para equilibrar essa conta. Por isso, o governo anunciou o bloqueio de R$ 11 bilhões. Mas isso não é corte de gastos.

Por quê?

Porque o governo está usando o dinheiro das despesas discricionárias para pagar as despesas obrigatórias. Isso é soma zero. Não há economia. O que está mudando é a composição do gasto. E isso não melhora o resultado primário. Então, voltando à pergunta dos R$ 15 bilhões, o fato é que são cerca de R$ 4 bilhões de contingenciamento, por causa da meta fiscal, e R$ 11 bilhões de bloqueio, para o pagamento das despesas obrigatórias.

Se R$ 4 bilhões são insuficientes, o que o governo vai fazer?

Acredito que, como se diz, vai jogar areia na máquina pública, criando o chamado “empoçamento de recursos”.

O que é isso?

É atrasar a liberação de recursos, mandar os ministérios andarem mais devagar com alguns programas. Ou seja, na prática, é subexecutar o Orçamento. Mas isso não é ajuste fiscal. É empurrar o problema para frente. O ministério que não gastar neste ano vai jogar a mesma despesa para o ano que vem.

Nesse caso, o problema seria adiado para 2025?

Sim. O governo está tentando matar um leão a cada dia. Vai resolver o problema de 2024 e depois pensar em 2025. Mas 2025 já está chegando e 2024 foi muito beneficiado por medidas de aumento de receita aprovadas em 2023. E elas não vão se repetir.

Por que não vão se repetir?

São receitas não recorrentes. O governo, por exemplo, decide tributar fundos de investimentos no exterior. Aí, entra um dinheirão porque alcançou um estoque que nunca havia sido tributado. Mas isso não vai acontecer de novo no próximo ano.

O senhor pode citar outros exemplos?

O governo falou em estabelecer um teto para as empresas que têm tributo a compensar em 2024. Mas o crédito que não foi pago em 2024, vai ser compensado em 2025, 2026, 2027. Ou seja, a situação de 2024 melhorou às custas de piorar a dos próximos anos. Então, o governo está cada vez mais se encalacrado, porque não mexe nos fatores essenciais do desequilíbrio.

Quais são esses fatores?

A indexação dos benefícios previdenciários ao salário mínimo, as emendas parlamentares e tantas outras medidas que precisam ser tomadas, como alterar o critério muito leniente na concessão de benefícios sociais e tributários. Essas medidas são politicamente difíceis e o governo não quer adotá-las.

O governo também anunciou um pente-fino no BPC. Isso ajuda?

Ajuda, mas, mais uma vez, tem efeito em um ano ou dois. Não é isso que vai resolver o problema lá na frente. Coibir fraudes e pagamentos indevidos é uma tarefa diária, uma obrigação da boa administração pública. Mas não é ajuste fiscal. Ajuste é ter regras de despesas que são sustentáveis ao longo do tempo.

O senhor falou que o governo tem receitas superestimadas. Pode dar exemplos?

Está no orçamento uma entrada de R$ 115 bilhões por causa da concessão de linhas ferroviárias. Esse valor não vai chegar nem a R$ 5 bilhões. Existe a expectativa de arrecadar R$ 37 bilhões com o pagamento de empresas que venham a perder julgamentos no Carf (Conselho de Administração de Recursos Fiscais). Mas não tem perspectiva disso acontecer até o fim do ano.

No caso de despesas subestimadas, o senhor já mencionou a Previdência.

Sim. Hoje, já existem projeções de despesas muito próximas de R$ 940 bilhões para a Previdência e o governo calcula R$ 923 bilhões. Ele usa parâmetros muito conservadores de crescimento vegetativo.

Quais são as consequências para o país do desequilíbrio entre receitas e despesas?

O problema de fundo é não conseguir controlar o crescimento da dívida. Para se financiar, o governo vai ter de pagar uma taxa de risco muito alta, o que vai elevar as taxas de juros, travando a economia. Isso garante que vamos continuar sendo medíocres em termos econômicos. Ou seja, não vamos conseguir absorver a população no mercado de trabalho, teremos uma carga tributária muito alta. O outro ponto é que o país fica muito mais vulnerável a crises.

O senhor estima que o contingenciamento deveria ser de R$ 34 bilhões, mas ele foi de R$ 4 bilhões. Considerando todas as variáveis possíveis, afinal, qual seria o valor mínimo para que a meta fiscal fosse atingida em 2024?

Se imaginarmos que todo ano ocorre um empossamento de despesas, esse valor poderia ser de cerca de R$ 15 bilhões. Mas precisamos de R$ 34 bilhões e R$ 4 bilhões já foram contingenciados. Faltam, portanto, R$ 30 bilhões. Agora, tirando os R$ 15 bilhões do empossamento, o fato é que faltam mais R$ 15 bilhões. E esse seria o valor mínimo para ficarmos no limite inferior da meta fiscal, que é de R$ 29 bilhões. Ou seja, na prática precisamos de mais do que o triplo do que foi contingenciado.

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