Folha
Na saída da pandemia, a dinâmica econômica dos Estados Unidos acompanhava de perto a dinâmica brasileira. Ambas as economias vivenciavam redução da inflação, fruto da reversão dos choques da pandemia, e ambas apresentavam seguidas melhoras do mercado de trabalho e surpresas positivas no crescimento econômico.
No ciclo monetário, estávamos alguns meses adiantados, pois o nosso ciclo de alta da taxa de juros começou antes que o deles.
O mercado de trabalho americano vem enfraquecendo há algum tempo. Lá como cá, há duas pesquisas principais: uma domiciliar, por amostragem, e outra das empresas.
Na economia americana, a pesquisa das empresas indicava um mercado de trabalho um pouco mais forte do que a pesquisa domiciliar. A taxa de desemprego é calculada a partir dos dados da pesquisa domiciliar, tanto nos EUA quanto no Brasil.
Na sexta-feira (2), foram divulgados os dados para as duas pesquisas do mercado de trabalho americano referentes a julho. Há uma clara desaceleração. Ela já era visível, mas as ambiguidades entre as duas pesquisas dificultavam o diagnóstico.
Se não fosse essa ambiguidade, provavelmente o banco central americano (Fed) iniciaria um ciclo de queda da taxa de juros na reunião que terminou na quarta-feira (31). Como se sabe, o Fed manteve os juros no intervalo entre 5,25% e 5,5%.
Com os dados divulgados na sexta-feira, é claro que o ritmo da economia americana é diferente daquele da economia brasileira. Principalmente o mercado de trabalho.
Se por aqui a taxa de desemprego continua a apresentar quedas, atingindo em junho passado a mínima desde 2014 de 6,9%, após marcar 8% em junho de 2023, nos EUA há uma elevação. Desde a mínima de 3,4%, em abril de 2023, a taxa de desemprego vem crescendo e está em 4,3%, segundo a divulgação de sexta.
O salário nominal pago por hora trabalhada nos EUA crescia 4,7% em 12 meses em julho de 2023. Em julho passado, o número caiu para 3,6%. Dado que a inflação ao consumidor nos EUA, em condições de normalidade da economia, roda em média a 2,5% e que a produtividade do trabalho roda a 0,8%, a taxa de equilíbrio de elevação do salário nominal é 3,3%, não muito diferente dos 3,6% de agosto.
Diferentemente, por aqui, a taxa de crescimento da renda nominal, segundo a Pnad, tem rodado a 10% nos últimos 12 meses ou uns 6% em termos reais—considerando uma inflação próxima de 4% ao ano. Dado que dificilmente a produtividade do trabalho cresce mais do que 1% ao ano e dada uma meta inflacionária de 3%, a taxa de equilíbrio de crescimento da renda é de 4%. Ou seja, há sinais por aqui de aquecimento do mercado de trabalho no Brasil.
Finalmente, a geração mensal de empregos nos EUA acumulada em 12 meses, que estava em 244 mil em julho de 2023, nos 12 meses até o final de julho apontou 209 mil empregos, e, nos últimos três meses, 170 mil. No Brasil, a geração de empregos acumulada em 12 meses tem crescido desde setembro de 2023.
O fim da sincronia entre as duas economias sinaliza que as políticas monetárias se diferenciarão. No Brasil, após um ciclo de queda, paramos com a Selic a 10,5%, e tudo sugere que não se retomará um ciclo de baixa tão cedo. Nos Estados Unidos, certamente em setembro os juros serão reduzidos.
Existe uma regularidade estatística chamada de regra de Sahm. A regra estabelece que sempre que a taxa de desemprego, medida pela média trimestral, eleva-se em 0,5 ponto percentual acima do menor valor para a média trimestral da taxa de desemprego nos 12 meses anteriores, há o início de uma recessão. Em julho, a regra de Sahm foi transposta. A economia americana já está em recessão?
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2024/08/acabou-a-sincronia-economica-entre-brasil-e-eua.shtml
As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.