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Por que trabalhar sempre com expectativas contra si próprio?

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Desde o seu início, em janeiro de 2023, o governo brasileiro teima em trabalhar com as expectativas contra si. O presidente adotou a narrativa do “nós contra eles”, demonizando, em momentos alternados, o mercado, a oposição, o Banco Central, além de oscilar com relação à política fiscal e os compromissos com o arcabouço.

Recentemente, não foi diferente. Passou, mais uma vez, por um período de tensões com o mercado financeiro.

Mesmo com resultados positivos no primeiro trimestre, a postura do presidente Lula reflete uma certa irresponsabilidade fiscal com a expansão de despesas e uma confusão entre gastos governamentais e investimentos públicos. O resultado disso foi o dólar chegar a níveis preocupantes, que acabou rovocando uma mudança na postura do Poder Executivo, e o fez reconhecer o desafio e a necessidade de manter o arcabouço fiscal.

A divulgação do Relatório de Avaliação Bimestral de Receitas e Despesas Primárias (o RARDP), do terceiro bimestre de 2024, traz à tona esta realidade. O governo colocou os pés no chão ao admitir receitas menores diante de despesas maiores para o segundo semestre, assumindo um déficit de R$ 61,4 bilhões para o ano.

No entanto, o governo ainda não conseguiu convencer os agentes econômicos de que agora está comprometido em cumprir as regras fiscais, a fim de reancorar as expectativas para alcançar a meta fiscal (tanto para este ano quanto para os próximos). Isso porque os agentes acreditam que, apesar de considerar uma mudança na trajetória das receitas para baixo e outra mudança nas despesas – para cima -, o governo, por enquanto não deixou nenhum espaço para erros, é otimista em relação a sua expectativa de arrecadação e quanto ao crescimento de suas despesas.

Um exemplo desse otimismo governamental é a superestimação das receitas, especialmente na esperança de recolher R$ 34 bilhões em acordos do Carf, que anteriormente eram de R$ 55 bilhões. A única empresa que buscou um acordo significativo foi a Petrobras, que concordou em pagar quase R$ 20 bilhões.

As despesas totais do governo planejadas para 2024 cresceram em R$ 20,7 bilhões, dos quais R$ 14 bilhões não são considerados para a meta fiscal, resultando em um crescimento real de R$ 6,5 bilhões nas despesas primárias sujeitas ao arcabouço. Isso não contempla totalmente a diferença entre as despesas obrigatórias projetadas pelo governo e pelo mercado, refletindo um otimismo excessivo.

O problema de projeções muito otimistas é que fica difícil os agentes acreditarem em seu cumprimento e não há margem para erros. A banda inferior da meta fiscal está totalmente ocupada, exigindo um bloqueio de R$ 15 bilhões.

Para garantir a estabilidade econômica a longo prazo, precisamos de uma abordagem fiscal mais robusta e estruturada. Um arcabouço fiscal claro é essencial para fornecer previsibilidade e confiança aos investidores. Sem ele, os investidores precisam de outro conjunto de regras para precificar a dívida do Brasil e justificar a ideia de que a razão dívida/PIB acabará convergindo no futuro, permitindo que o Brasil pague sua dívida sem depender de novas rolagens contínuas.

Controlar os gastos é fundamental, mas precisamos ter um arcabouço fiscal que seja crível. A importância disso se dá por ele proporcionar uma base mais estável para a tomada de decisões econômicas e políticas, ajudando a evitar choques financeiros que podem ter efeitos devastadores na economia real.

Um sistema financeiro estável é capaz de alocar recursos de forma eficiente, gerenciar riscos financeiros e manter níveis de emprego próximos à taxa natural da economia. Sem um arcabouço claro, a estabilidade financeira fica comprometida, o que pode levar a crises que desestabilizam o crescimento econômico.

Embora o governo tenha dado passos na direção correta ao revisar suas expectativas de receitas e despesas, a jornada para garantir a estabilidade fiscal e econômica do Brasil, a longo prazo, ainda requer uma abordagem clara. Falta um real esforço do governo em focar no problema fiscal de forma que os agentes econômicos tenham alguma confiança e possam acreditar em uma certa estabilidade macroeconômica a frente. Estabilidade essa que é a base para investirem mais em negócios, empregar mais, consumir sem receio de perder seu emprego, ou seja, ver uma perspectiva de menor solavancos e idas e vindas à frente.

Este artigo teve a co-autoria do Italo Faviano, economista da consultoria Buysidebrasil

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Sobre o autor

Luiz Fernando Figueiredo