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Brasil foge do padrão em ação do Legislativo no Orçamento

Hélio Tollini e Marcos Mendes

Folha

A liminar do STF (Supremo Tribunal Federal) que suspendeu o pagamento das emendas parlamentares reacendeu o debate sobre essa prerrogativa do Congresso.

Estamos pesquisando as instituições orçamentárias em países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), em trabalho que será concluído em alguns meses. Já temos um perfil das boas práticas e dos diferentes modelos adotados.

O Brasil está fora do padrão. Nosso Congresso tem prerrogativas excessivas.

Em 53% dos países da OCDE, os parlamentos não podem emendar o Orçamento. Rejeitar a proposta do Executivo equivale a um voto de desconfiança, que derruba o governo. Na Austrália e no Canadá, por exemplo, alocação orçamentária é considerada função do Executivo, cabendo ao Legislativo apenas supervisionar a gestão orçamentária.

Em países que admitem emendas, como ItáliaPortugal ou Espanha, elas não chegam a 1% das despesas discricionárias. No Brasil, esse percentual já está em 23%.

Nesses países e em outros, a lei de orçamento trata de outros aspectos de políticas públicas além de receitas e despesas, e as emendas se concentram nesses aspectos regulatórios e não na alocação de recursos.

Na Alemanha, há intensa participação do Legislativo, prevalecendo a cultura de responsabilidade fiscal: ministros têm que ir ao parlamento explicar os seus projetos e, se não forem convincentes, a dotação orçamentária é cortada ou congelada. A discussão no Parlamento se dá em torno de políticas públicas, e não na alocação de recursos para as bases eleitorais.

No México e em quase todos os países, as emendas que aumentam despesa, quando existem, são negociadas com o Executivo e, normalmente, não são de execução obrigatória. No Chile, as emendas só podem reduzir despesas. Informalmente, parlamentares fazem indicações ao Executivo, que pode ou não atendê-las.

Em nenhum país pesquisado existe uma cota financeira e obrigatória de emendas, como no Brasil.

Tampouco os Poderes Executivos são obrigados a reservar uma parte do Orçamento para que os parlamentares aloquem emendas. Quem quiser mudar o Orçamento tem que arcar com o custo político de dizer onde cortar ou qual imposto aumentar. Mais uma vez, o Brasil está sozinho nesta prática.

O poder do Congresso brasileiro para alterar a estimativa de receitas e, com isso, abrir espaço para mais despesas, também destoa. Os países com melhores práticas adotam projeções de receita, despesa e déficit para três a quatro anos à frente, e a definição desses limites orçamentários ficam sob forte controle do Poder Executivo.

Nos Estados Unidos, o Legislativo tem o poder constitucional de refazer toda a proposta enviada pelo presidente da República. Contudo, o Congresso é dividido em apenas dois blocos partidários, com um deles representando o Poder Executivo. Apenas em situações em que o Executivo é francamente minoritário nas duas casas legislativas é que a proposta orçamentária pode sair do seu controle.

São famosas as chamadas emendas “pork-barrel”, em que legisladores dos EUA buscam financiar projetos locais com recursos federais, em modelo muito similar às nossas emendas. Lá, porém, não há cota financeira para atender todos os parlamentares. Ademais, reforma recente impôs um limite máximo de 1% das despesas discricionárias para o conjunto dessas emendas (lembrando que as nossas já estão em 23%).

O México tem um presidencialismo no qual as regras eleitorais usualmente garantem maioria parlamentar ao Executivo. Lá, as emendas só prosperam quando o presidente é minoritário no Congresso e precisa de votos para aprovar sua agenda legislativa. Mesmo nesses casos, a posição do Executivo é forte, as negociações se dão por blocos partidários, as concessões são pequenas e as emendas individuais irrisórias.

Ao contrário de México e EUA, as nossas regras eleitorais produzem um presidente minoritário no Congresso, onde há grande número de partidos representados. Ademais, as campanhas políticas são individualizadas, com cada parlamentar tendo incentivo para direcionar recursos para seus redutos ou financiadores de campanha.

Com essas instituições, o maior poder do Legislativo sobre o Orçamento só pode gerar dispersão de recursos, baixa qualidade do gasto, corrupção e pressão por mais emendas. Isso não ocorre por falta de assessoramento técnico aos parlamentares (que aliás é muito bom) ou de acordo político para buscar emendas de maior qualidade. Os incentivos políticos e eleitorais são muito fortes. Se não mudados, as emendas continuarão sendo de baixa qualidade.

Se o objetivo do país for melhorar a qualidade do gasto e aumentar a responsabilidade fiscal, temos dois caminhos. Um seria reformar as instituições políticas eleitorais, para que se possa ter uma participação disciplinada do Legislativo no Orçamento. O outro caminho seria manter as regras políticas e eleitorais como estão e limitar fortemente as emendas parlamentares.

Por outro lado, se o objetivo for evitar turbulências políticas e institucionais, sem mexer nas regras eleitorais, a escolha será por manter o sistema atual, com algumas melhorias marginais na transparência. Nesta opção, teremos que nos conformar com severa restrição financeira para a implementação das políticas públicas do Executivo e com muito dinheiro público virando fumaça.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcos-mendes/2024/08/brasil-foge-do-padrao-em-acao-do-legislativo-no-orcamento.shtml

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Marcos Mendes