Folha
O ministro do STF Flávio Dino sustou a execução das emendas impositivas até que “os Poderes Legislativo e Executivo, em diálogo institucional, regulem os novos procedimentos conforme a presente decisão”.
Os princípios da execução das emendas impositivas são, segundo o despacho do ministro:
“a) existência e apresentação prévia de plano de trabalho, a ser aprovado pela autoridade administrativa competente, verificando a compatibilidade do objeto com a finalidade da ação orçamentária, a consonância do objeto com o programa do órgão executor, a proporcionalidade do valor indicado e do cronograma de execução;
b) compatibilidade com a lei de diretrizes orçamentárias e com o plano plurianual;
c) efetiva entrega de bens e serviços à sociedade, com eficiência, conforme planejamento e demonstração objetiva, implicando um poder-dever da autoridade administrativa acerca da análise de mérito;
d) cumprimento de regras de transparência e rastreabilidade que permitam o controle social do gasto público, com a identificação de origem exata da emenda parlamentar e destino das verbas, da fase inicial de votação até a execução do orçamento;
e) Obediência a todos os dispositivos constitucionais e legais que estabeleçam metas fiscais ou limites de despesas”.
O despacho do ministro é claríssimo e é difícil imaginar que algum agente público seja contra esses princípios.
Como escrevi em 2013: “A adoção do Orçamento impositivo será negativa para a qualidade da gestão política de nosso presidencialismo de coalizão, que tem a característica de ser fragmentado.
Em nosso presidencialismo com voto proporcional em grandes distritos (São Paulo, por exemplo, é um distrito com 70 cadeiras), há fortíssima fragmentação política e enorme capacidade de representação de minorias. No sistema distrital americano, uma minoria que represente 10% da população, espalhada no território, não terá assento na Câmara. No Brasil, terá 10% dos assentos.
Essa característica faz com que nosso Legislativo defenda pautas de partes da sociedade. Quem defende o interesse agregado é o Executivo. Isso porque o Executivo é o Poder cobrado e visto como responsável pelo desempenho da economia. Os deputados e, em menor escala, os senadores defendem agendas particulares, apesar de geralmente legítimas.
A compatibilização entre os interesses particulares e o resultado agregado —e, portanto, o interesse comum— é arbitrada pelo Executivo, que precisa de instrumentos para fazer com que a banda toque afinada. Grosso modo, o Executivo tem dois instrumentos de gestão: a distribuição de ministérios e cargos em estatais e a liberalização das emendas parlamentares.
A negociação de liberação de emendas parlamentares em troca de votações de projetos que atendam ao interesse agregado é um legítimo instrumento de gestão da base de apoio do Executivo”.
A adoção por aqui do orçamento impositivo se explica por um certo vira-latismo, que considera que as instituições políticas norte-americanas são necessariamente superiores às nossas, e pelo oportunismo do Legislativo, que, em um longo período de presidentes fracos, avançou sobre atribuições que são logicamente do Executivo.
Apesar de o desenho institucional político brasileiro ser funcional —veja minha resenha do livro recém-publicado “Por que a Democracia não Morreu”—, nosso sistema político tem limitações. Uma delas é depender muito da qualidade da liderança.
Quando elegemos seguidamente presidentes com pouco apetite para a lida diária da política —Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro—, abriu-se um vácuo que foi ocupado pelo Congresso.
Oxalá o presidente Lula em negociação com o Congresso consiga reverter ao menos parte da piora institucional ocorrida na última década.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2024/08/emenda-impositiva-e-corpo-estranho-no-nosso-sistema-politico.shtml
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