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De volta ao PIB potencial

A avaliação positiva de uma ampla série de reformas não tem se traduzido, na visão dominante, em opinião mais favorável sobre a evolução da produtividade e do crescimento potencial

Estadão

Em coluna anterior (“Sobre o pessimismo crônico”, publicada em junho de 2023), levantei a hipótese de que os sucessivos erros de projeção, subestimando o crescimento da economia brasileira, poderiam refletir limitações dos modelos utilizados. Assim, uma subestimação do crescimento potencial seria resultante dos efeitos cumulativos e defasados das reformas aprovadas desde 2016. Minha conclusão era de que as evidências até então disponíveis não permitiam descartar essa hipótese. Não se trata necessariamente de dizer que o Brasil se tornou uma economia muito dinâmica, mas que talvez tenha se tornado uma menos letárgica.

Admito que essa visão, até o momento, é francamente minoritária. Noto, também, que não se pode excluir a possibilidade de que o PIB potencial não tenha mudado em vários anos, mas teria sido apenas subestimado antes, e agora estaria sendo superestimado (por uma minoria de economistas). No entanto, na última edição do Relatório Anual do FMI sobre o Brasil, os economistas da instituição apresentaram uma revisão da estimativa de PIB potencial, de 2% para 2,5%, como resultado das reformas aprovadas na segunda metade dos anos dez, destacando a trabalhista de 2017. Vale lembrar que o Fundo, que chegou a prever uma queda do nosso PIB de 9% no pior momento da pandemia, não tem um histórico de otimismo em relação ao Brasil.

Mais importante, as possíveis boas notícias não param aí. Os economistas do FMI avaliam que outros desenvolvimentos podem elevar ainda mais o PIB potencial no médio e longo prazo. Em primeiro lugar, eles destacam os efeitos da reforma tributária, que, em sua avaliação, poderia elevar o crescimento anual entre 0,3 e 0,5 pontos percentuais – seja pela mudança do regime de taxação de insumos, que deveria elevar o investimento das empresas, por meio da redução de distorções, ou por meio da redução da complexidade e litigiosidade do regime tributário. A análise do Fundo reconhece que a transição pode retardar o impacto da reforma, e amortecê-lo parcialmente, mas o tom da análise é claramente positivo.

Outro fator que poderia, na visão do FMI, impulsionar de forma relevante o crescimento, seria o aumento da produção de petróleo e gás natural. O Fundo cita o trabalho de uma consultoria especializada que vislumbra um aumento da produção de 56% entre 2023 e 2031, o que tornaria o país o quarto maior produtor mundial – atrás de Estados Unidos, Arábia Saudita e Rússia. Essa expansão, na avaliação dos economistas do FMI, adicionaria mais 0,2% ao crescimento do PIB entre 2024 e 2031.

Outras reformas, como integração comercial, melhorias no ambiente regulatório e governança, poderiam impulsionar ainda mais o crescimento brasileiro. Somando todos os efeitos, poderíamos ter, então, uma tendência de crescimento em torno de 3,5%. Enfim, o FMI entrou no minoritário campo menos pessimista quanto ao crescimento potencial brasileiro.

Sobre esse debate, vale observar, também, que o ceticismo sobre o impacto das reformas no PIB potencial contrasta com uma visão geralmente muito positiva sobre o impacto das reformas quando estas são consideradas isoladamente. É difícil encontrar avaliações negativas, entre os economistas profissionais, da reforma trabalhista, substituição da TJLP pela TLP, do marco do saneamento básico, da lei dos distratos, do marco legal da securitização, entre outras, além de inovações transformacionais, como o PIX. No entanto, algo se perde na agregação, e a avaliação positiva de uma ampla série de reformas não se traduz, na visão dominante, em uma opinião mais favorável sobre a evolução da produtividade e do crescimento potencial.

O PIB potencial pode ter crescido, mas está provavelmente abaixo dos 3% anualizados do primeiro semestre

Dada a nova surpresa positiva com respeito à evolução do PIB, que caminha para expandir algo como 2,5% a 3% em 2024, ante expectativas de mercado que estavam em 1,5% no início do ano, o certo é que o debate sobre o PIB tendencial deve continuar. Sigo achando que a hipótese de que tenha ocorrido certo aumento do PIB potencial não pode ser descartada, ainda que não possa ser dada como certa. Uma ressalva importante é que a pandemia foi um choque de tal magnitude que todas as estimativas devem ser vistas com um grau adicional de cautela.

Um contra-argumento relevante, talvez o mais importante, é que a taxa de investimento não apresentou grande elevação nos últimos anos, a despeito de uma série de reformas que deveria ter melhorado o ambiente de negócios. O desempenho um tanto decepcionante do investimento pode ter várias explicações. Em primeiro lugar, a citada pandemia. Em segundo, a incerteza gerada pelo próprio processo de reformas, notadamente as dores da transição da reforma tributária. Outro fator é o crescimento da dívida pública, o qual, dadas as dificuldades políticas em conter a expansão dos gastos, implica eventual aumento da já elevada carga tributária – uma nova versão da antiga hipótese de “debt overhang”, dos anos 1980. É evidente que a perspectiva de um eventual choque arrecadatório, sempre presente, dadas as resistências ao controle de despesas, não há de incentivar o investimento privado.

Em suma, pode-se reconhecer que existe muita incerteza sobre estimativas do crescimento potencial e do impacto, ainda que provavelmente positivo, das reformas sobre ele. O PIB potencial pode ter aumentado, mas ele provavelmente ainda está abaixo do ritmo registrado no primeiro semestre – cerca de 3%, em termos anualizados. Em consequência, não seria prudente tomar decisões de política econômica com base nesses cenários mais otimistas.

Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/de-volta-ao-pib-potencial.ghtml

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Sobre o autor

Mario Magalhães Carvalho Mesquita