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Dilemas do Banco Central

Folha

Em razão de todo o ruído do presidente Lula com o Banco Central, há hoje um déficit de credibilidade relacionado à natureza da próxima diretoria. Dois fatores agravaram o problema.

Primeiro, a reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) de maio, em que, por cinco votos, decidiu-se reduzir o ritmo de corte dos juros para 0,25 ponto percentual, e quatro diretores votaram pelo corte de 0,5 ponto. A divisão 5 a 4 espelhou o corte político das escolhas dos diretores. Aqueles indicados por Lula votaram pela manutenção do ritmo de redução.

Segundo, a experiência com o BC do presidente Alexandre Tombini, que esteve à frente da autoridade monetária no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, quando houve claros sinais de interferência do Executivo na formulação da política monetária.

Assim, para sinalizar que o novo Copom terá independência em relação ao Executivo e manterá postura técnica, pode haver um ciclo de elevação dos juros agora.

De fato, o diretor de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo, e provável novo presidente, tem sido muito claro em reafirmar a meta. Até Lula, no último dia 16, em entrevista a uma rádio gaúcha, declarou: “Na hora em que [o novo presidente do BC] precisar reduzir a taxa de juros, ele vai ter de ter coragem de dizer que vai reduzir. Na hora em que vai aumentar, ele vai ter de ter a mesma coragem de dizer que vai aumentar”.

O mercado entendeu o movimento de construção de reputação do BC e já considera um ciclo de alta da Selic de 1,5 ponto percentual, com três aumentos de 0,5 ponto.

A dificuldade é que o modelo macroeconômico do BC, segundo as informações da ata mais recente, indica que, com o dólar a R$ 5,5 e a Selic parada em 10,5%, teríamos, nos quatro trimestres terminados no primeiro trimestre de 2026, inflação de 3,2%, não muito distante da meta de 3%. Difícil justificar um ciclo de alta com esses parâmetros.

Penso que os movimentos da economia real até a próxima reunião do Copom, que será em meados de setembro, contribuirão para justificar o ciclo de elevação da taxa de juros.

No dia 3 de setembro, o IBGE divulgará o desempenho da economia brasileira no segundo trimestre. Segundo os números no boletim macroeconômico de agosto do FGV Ibre, o crescimento, em relação ao primeiro trimestre, foi de 0,9%, e, em relação ao segundo trimestre de 2023, de 2,6%. O problema é que a demanda doméstica cresceu a 3,9%.

Com a divulgação da atividade do segundo trimestre, o BC deve passar a enxergar a economia a pleno emprego. A menor taxa de desemprego desde o segundo trimestre de 2014 e o maior nível de utilização da capacidade instalada na indústria desde o primeiro trimestre de 2014 reforçam o quadro de uma economia a plena carga.

A inflação começa a dar sinais de elevação. A grande dificuldade para termos um diagnóstico do processo inflacionário é que há duas forças determinando os movimentos dos preços, e o que vemos é a resultante de ambas. Primeiro, há reversão de choques de preços que gera forte pressão para a redução da inflação. Por outro lado, a economia rodando a plena capacidade gera elevação pouco intensa, mas persistente, dos preços, principalmente dos serviços. Os dados da inflação de julho já mostraram alguma pressão inflacionária nos serviços.

Possivelmente, até a próxima reunião do Copom os novos dados de atividade e de inflação contribuirão para construir com mais nitidez o quadro de necessidade de um ciclo de elevação da taxa Selic.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2024/08/dilemas-do-banco-central.shtml

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Sobre o autor

Samuel Pessôa