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Será que precisamos apertar mais?

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A política monetária brasileira se encontra em uma verdadeira encruzilhada. Apesar da inflação no horizonte relevante estar minimamente sob controle e as expectativas, ainda relativamente perto da meta, o mercado parece estar jogando xadrez com o Banco Central. E neste caso “o jogador quer empurrar o juiz para tomar uma decisão”. Mas será que esse é realmente o papel do mercado?

Nas últimas semanas, a volatilidade global deu o tom dos mercados, influenciada pela perspectiva de cortes nos juros do Fed e o balanço da Nvidia, que, apesar de sólido, não conseguiu impressionar os investidores.

Aqui no Brasil, no entanto, a situação vai em outra direção. As pressões fiscais continuam elevadas com déficits maiores do que o esperado. Ao mesmo tempo, o Banco Central se vê, por um lado, pressionado pelo governo – que quer juros mais baixos – e, por outro, pelo mercado, uma vez que parte dele acha que o BC deveria elevar as taxas de juros.

Gabriel Galípolo, o sucessor de Roberto Campos Neto, tem adotado uma postura firme, tentando conquistar cerdibilidade frente ao mercado.

Contudo em sua tentativa de soar ‘hawkish’, o tom de suas falas acabou sendo tão duro que alguns operadores já precificam uma alta de juros.

É aqui que o dilema surge: seria realmente necessário elevar a Selic agora?

Os modelos do Banco Central indicam que a inflação está próxima da meta, no horizonte relevante. Então, por que mexer na Selic? Elevar a taxa para “ganhar credibilidade” pode parecer uma jogada astuta, mas não faz sentido dentro do tabuleiro macroeconômico atual. E aqui voltamos à metáfora: se o mercado quer ditar as regras do jogo para o juiz, o Banco Central tem que ser um árbitro imparcial, guiado por dados, não por pressões.

Subir os juros agora poderia gerar mais volatilidade nos indicadores de atividade, sem uma justificativa técnica robusta. Além disso, um ciclo de alta seguido rapidamente por um ciclo de baixa apenas criaria mais instabilidade. E, no fim das contas, a volatilidade é o que o Brasil menos precisa neste momento.

O cenário internacional até oferece algum alívio: o Federal Reserve sinaliza que pode iniciar cortes de juros em breve, o que retira parte da pressão sobre o Brasil. No entanto, internamente, os desafios fiscais continuam pesando. A frustração das receitas previstas e a necessidade de equilibrar as contas em 2024 tornam o panorama ainda mais complexo. Mas, mesmo assim, a estratégia não deveria ser pautada pela reação do mercado, e sim pelo compromisso com a estabilidade de longo prazo.

Em meio a um “xeque” aplicado pelo mercado, o Banco Central precisa perseverar, não deixar levar por ruídos de curto prazo e seguir seu plano de jogo, mantendo a credibilidade contruída até aqui e reconhecendo que ela é desenvolvida ao longo do tempo, com decisões técnicas. Afinal, como em uma partida de xadrez, não é o movimento mais agressivo que ganha o jogo, mas sim aquele mais bem calculado.

Em última análise, o Bacen deve continuar jogando com cautela, evitando ser arrastado por movimentos ou ruídos de curto prazo.

No longo prazo, a independência do Banco Central e o compromisso com decisões baseadas em dados são as peças mais importantes neste tabuleiro complexo, que é a economia brasileira. E, enquanto o jogo continua, o mercado precisa aceitar que neste tabuleiro o Banco Central não é um mero jogador – e não deveria ser.

Este artigo teve como co-autor o economista Italo Faviano, da consultoria Buysidebrazil.

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Sobre o autor

Luiz Fernando Figueiredo