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Manobras contábeis deterioram a credibilidade

Folha

Pagar Auxílio-Gás por fora do Orçamento não é fato isolado. À medida que se torna difícil cumprir as regras fiscais, e há inapetências dos Poderes para fazer ajuste de verdade, aparecem jeitinhos para gastar mais sem descumprir os limites.

TCU autorizou descontar do resultado primário de 2024 R$ 1,1 bilhão de pagamento ao Judiciário por conta de recálculo de teto de gastos. O STF consentiu que parte dos precatórios seja paga fora dos limites até 2026: R$ 53 bilhões fora do teto em 2025.

O Programa Pé-de-Meia foi criado isento do limite de despesas, sendo operado em um fundo privado, fora do Orçamento. Recursos que estejam sobrando em outros fundos, em vez de voltarem para o Tesouro, reduzindo o déficit, podem ir para o Pé-de-Meia, mantendo a despesa fora do Orçamento. Coisa de R$ 5 bilhões por ano (dados de difícil acesso).

Se o limite é para a despesa primária, então acelera-se a despesa financeira. Vários canais estão direcionando recursos fiscais a instituições financeiras públicas, como BNDES e Finep. Política pública via gasto primário passa a ser feita via crédito, muitas vezes subsidiado.

Cinco fundos orçamentários que contam com receitas primárias a eles vinculadas (FNDCT, Fust, Funttel, Fundo Clima e Fundo da Marinha Mercante) fizeram desembolso financeiro de R$ 7,7 bilhões em 2023, valor 322% maior que o de 2021.

O Fundo Nacional da Aviação Civil, que só faz despesa primária e quase sempre é contingenciado, passará a dar empréstimos subsidiados às empresas aéreas, conforme projeto aprovado no Congresso.

Criou-se o Fundo de Investimento em Infraestrutura Social para fazer, pela via de empréstimos, políticas públicas pouca afeitas a essa modalidade de financiamento, como universalização da educação e gestão da segurança pública.

Despesa para lidar com calamidades estão isentas das regras fiscais. Aproveita-se essa brecha para colocar em fundos públicos valores em excesso. Passada a calamidade, ficam disponíveis fora do Orçamento. O Fundo Geral do Turismo recebeu R$ 5 bilhões na pandemia, o que permitiu dobrar os seus desembolsos financeiros em dois anos, chegando a R$ 1,3 bilhão em 2023. O Fundo Social, vinculado a despesas primárias em saúde e educação, teve R$ 15 bilhões redirecionados ao BNDES, para empréstimos no RS.

O Tesouro emitiu R$ 10 bilhões em dívida no exterior e os aportou diretamente no Fundo Clima, sem impactar as contas primárias, para financiar empréstimos via BNDES.

Empresas estatais cada vez mais fazem política pública com recursos próprios. Em 2023, a Itaipu Binacional gastou mais de R$ 5 bilhões em projetos como estradas e casas populares. A Petrobras voltou a ser ferramenta de política industrial do governo.

Se os fundos de pensão das estatais entrarem, ainda que indiretamente, no financiamento de projetos de infraestrutura, a escala da política parafiscal aumentará significativamente.

Tirar despesas da conta não impede o crescimento da dívida pública.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcos-mendes/2024/09/manobras-contabeis-deterioram-a-credibilidade.shtml

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Marcos Mendes