Estadão
Por que o PIB brasileiro vem surpreendendo o mercado?
O PIB do 2º trimestre voltou a surpreender positivamente, mantendo a sequência dos últimos anos. Enquanto em 2020 e 2021 as surpresas podem ser associadas à recuperação mais rápida que o esperado no início da pandemia, as explicações para os anos subsequentes são mais diversas e não excludentes. Uma muito debatida é o possível aumento do potencial de crescimento, após importantes mudanças, como a reforma trabalhista e dos marcos regulatórios – uma hipótese que o tempo irá confirmar, ou rejeitar.
No entanto, isso explicaria no máximo uma alteração de ritmo de cruzeiro da economia para a faixa de 2% ou pouco acima, não o ritmo de 3% que se vê recentemente. Assim, convém identificar que, além das reformas, eventos específicos podem ter aumentado o crescimento circunstancialmente nos últimos anos, como um mercado pujante para as dívidas corporativas, uma safra agropecuária recorde, que trouxe multiplicadores importantes para a economia, e o retorno de uma postura fiscal expansionista, que enseja riscos para a trajetória da dívida, mas cujos impactos sobre condições financeiras têm sido limitados.
A principal discussão é o quanto esses eventos vão se repetir e, principalmente, se as surpresas são sustentáveis. Por isso, observo como um fator importante a composição das surpresas mais recentes. O consumo das famílias tem sido mais robusto, mas o investimento tem tido alguma estagnação, o que traz algum ceticismo de que a capacidade de crescimento sustentável da nossa economia tenha realmente aumentado de forma definitiva.
Em números, frente ao que esperávamos no início de 2023, naquele ano tivemos maior robustez no consumo (crescimento de 3,1%, ante projeção de 1,2% e mediana da pesquisa Focus de 0,9%) e exportações (9,1%, ante projeção de 5,1% e consenso de 2%, muito impulsionadas pela safra recorde), mais que compensando a surpresa negativa no investimento, que contraiu 3,0%, ante projeção de 0,5% de alta (consenso de 1,3%).
Para 2024, nossa projeção atual para a expansão do consumo no ano (ainda não revisada após o PIB do 2T) é de 4,0%, com viés de alta, e se compara com expectativa de 0,6% no começo de 2023, enquanto o investimento devolve a queda do ano passado (com os 3,4% projetados para esse ano), mas tem crescimento acumulado em 2023/2024 de 0,3% – bastante fraco e abaixo dos 1,4% que enxergávamos no início de 2023.
A força do consumo tem como fundamentos o dinamismo do mercado de trabalho que está, neste momento, sobreaquecido, o impulso fiscal – com o retorno das políticas de aumentos reais do salário-mínimo, aumento do salário de servidores e, em 2024, com o pagamento de precatórios atrasados – e, mais recentemente, um desempenho melhor que o esperado do crédito.
Ocorre que o sobreaquecimento do mercado de trabalho é potencialmente inflacionário e o impulso fiscal vem ao custo de piora na trajetória esperada das contas públicas e aumento do risco-país. Tais fatores pressionam os juros de mercado, que atuam como vetor negativo para o investimento. Assim, seria importante reforçar a estratégia de ajuste fiscal e avançar nas agendas que melhoram o ambiente de negócios do país, como forma de impulsionar os investimentos privados e manter os ganhos dos últimos anos. Além disso, vale notar que o aumento da incerteza institucional não há de contribuir para uma retomada sustentada do investimento e joga contra o crescimento da economia.
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