Entrevistas

Por que políticas para juventudes são importantes nas cidades

Naércio Menezes Filho, diretor do CPAPI e professor do Insper, fala ao ‘Nexo Políticas Públicas’ sobre a importância de instituir ações de retorno à escola, ao trabalho formal ou ao empreendedorismo para jovens

Nexo Políticas Públicas

O Censo de 2022 apresentou que um em cada cinco brasileiros de 15 a 29 anos não trabalha nem estuda, o equivalente a 10,9 milhões de indivíduos. Apesar de políticas públicas para as juventudes terem avançado nos últimos anos, o Brasil ainda conta com um grande contingente populacional jovem colocado à margem da sociedade.

Assim afirma Naércio Menezes Filho, diretor do CPAPI (Centro Brasileiro de Pesquisa Aplicada à Primeira Infância) e professor do Insper. Segundo ele, políticas públicas voltadas à população jovem visando o retorno à escola e ao mercado de trabalho afastam as pessoas de situações arriscadas, como a criminalidade e a gravidez na adolescência.

Nesta série de entrevistas, com foco nas eleições municipais, o Nexo Políticas Públicas faz cinco perguntas para especialistas sobre temas urgentes aos municípios brasileiros. Naércio Menezes Filho responde sobre a importância de estabelecer políticas para juventudes nas cidades.

O que são políticas para juventudes?

NAÉRCIO MENEZES FILHO Políticas para juventudes são ações e programas direcionadas para os mais jovens, para tentar trazê-los de volta para a escola, para o mercado de trabalho formal ou para o empreendedorismo.

Essas políticas podem ser nas áreas de educação formal, como os programas para permanência dos jovens na escola, o ensino técnico voltado para novas competências, a qualificação profissional voltadas para a tecnologia, a assistência social, com os programas de transferências de renda ou na área de saúde física e mental, como a Estratégia Saúde da Família. Elas têm que ter como objetivo integrar os jovens de volta à sociedade, lhes dar esperança, afastá-los da criminalidade e da gravidez na adolescência.

Por que a instauração de políticas para juventudes é urgente para as cidades?

NAÉRCIO MENEZES FILHO A instauração destas políticas é urgente porque uma grande parcela dos jovens está desvinculada da sociedade, sem sonhos nem expectativas com relação ao seu futuro. Esses jovens acabam trabalhando em profissões temporárias e arriscadas, como a entrega de comida por aplicativo, que não envolvem crescimento profissional, não trazem estabilidade financeira e não tem garantias para o futuro. Muitos outros jovens acabam enveredando para a criminalidade, e muitas jovens acabam engravidando, o que inicia um outro ciclo de pobreza.

Isto acaba criando um ambiente deteriorado em algumas áreas da cidade e impede um ciclo de crescimento econômico com geração de empregos formais. Pesquisas indicam que as cidades que conseguem fazer com que seus jovens atinjam um nível de aprendizado mínimo na escola têm aumento de emprego formal e de jovens no ensino superior.

Até onde as políticas para juventudes já avançaram no Brasil?

NAÉRCIO MENEZES FILHO As políticas avançaram um pouco, principalmente na área educacional. Nos anos 1990, apenas 25% dos jovens chegavam ao ensino médio, o que gerava uma população adulta muito pouco educada. Hoje em dia, 90% dos jovens chegam no ensino médio ou ingressam no ensino superior. Além disto, as políticas de cotas permitiram que os jovens negros e pobres ingressassem nas faculdades públicas.

Na área de assistência social, os jovens pobres hoje em dia têm direto ao programa Bolsa Família, que paga cerca de R$600 por mês, fazendo com que os jovens que moram sozinhos não passem fome. Além disto, há programas de saúde, como a Estratégia Saúde da Família, que são gratuitos e atendem os jovens pobres para verificar como está a sua saúde.

Estas políticas permitiram o fim de situações mais graves, como as que ocorriam no passado, em que a mortalidade era alta nas famílias mais pobres, não havia hospitais públicos e os jovens não recebiam qualquer tipo de educação formal. Hoje em dia, esse país não existe mais. Todo jovem têm acesso a uma renda mínima, há escolas disponíveis e o atendimento na saúde é gratuito. São avanços importantes, mas que ainda não são suficientes para a inserção profissional com qualidade para a maioria dos jovens brasileiros.

Até onde é preciso avançar com as políticas para juventudes nas cidades?

NAÉRCIO MENEZES FILHO É preciso avançar muito. A principal questão é a qualidade da educação que estes jovens recebem na escola. O aprendizado hoje em dia é muito ruim, tanto nas escolas públicas como na maioria das escolas privadas. Isso decorre de deficiências na aquisição de habilidades cognitivas e socioemocionais na primeira infância e na gestão das escolas das cidades.

Isso faz com que muitos jovens não sejam plenamente alfabetizados e tenham graves problemas de falta de persistência e resiliência, o que dificulta a sua entrada no mercado de trabalho ou no ensino superior. Assim é necessário melhorar as políticas na primeira infância assim como a gestão escolar nas redes municipais, principalmente nas creches e pré-escola.

Além disso, é necessário qualificar os jovens nas novas tecnologias de informação, para que ele consiga acompanhar os avanços nesta área e encontrar empregos no setor formal. Finalmente, é necessário melhorar o transporte, para que os jovens possam se locomover com mais rapidez a um custo menor, para poder aproveitar mais a cidade, para adquirir cultura e recreação.

O que impede que as políticas para juventudes avancem nas cidades?

NAÉRCIO MENEZES FILHO É muito difícil implementar com sucesso políticas voltadas para a juventude. A razão principal é que os jovens muitas vezes perderam a esperança de ter uma vida melhor profissionalmente, tantas são as injustiças que enfrentaram ao longo de suas vidas.

Muitos destes jovens foram discriminados na escola, viram filhos das famílias mais ricas estudarem nas melhores escolas, viajarem pelo mundo, e terem acesso a todos os bens culturais apenas por terem nascido em melhores condições, enquanto eles cresceram rodeados pelo crime. Assim, muitos desistem de lutar por uma carreira profissional de sucesso e se apegam às ocupações precárias para conseguir algum dinheiro e depois ficam transitando entre o desemprego, a informalidade e os programas de transferência de renda.

Nós perdemos uma grande quantidade de jovens muito cedo, quando eles ainda nem tiveram oportunidade de tentar algo promissor em suas vidas. Assim, políticas de qualificação profissional ou ensino técnico muitas vezes têm pouco efeito, porque estes jovens não continuam nestes programas até o fim, pois lhes falta resiliência e perseverança.

Para que os programas tenham sucesso, eles têm que ser multissetorial, envolvendo não só qualificação técnica, mas também aconselhamento psicológico e para escolha profissional, provendo informação de qualidade para estes jovens, além de busca ativa dos que desistiram do programa.

Link da publicação: https://pp.nexojornal.com.br/topico/2024/09/18/por-que-politicas-para-juventudes-sao-importantes-nas-cidades

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