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Sequestrados por Keynes

Folha

Uma das maiores tragédias sociais do século 20 foi a Grande Depressão. Entre 1932 e 1938, a taxa de desemprego nos EUA situou-se acima de 16%, atingindo 21% no pico.

Keynes mostrou que era relativamente simples resolver o problema. Era necessário que os economistas abrissem mão da ideia de que o sistema se corrigia automaticamente. A política fiscal expansionista, esta sim, corrigia o problema. Sem custos, a expansão fiscal colocava a economia para rodar, e o desperdício de recursos e toda a tragédia social podiam ser facilmente superados.

No pós-Guerra, com todo o sucesso da reconstrução da Europa, ficou a impressão de que a superação do subdesenvolvimento poderia ser alcançada da mesma forma que a do desemprego foi atingida.

Toda uma área da economia —chamada de alta teoria do desenvolvimento— tentava encontrar uma falha de mercado e uma ação do setor público que poderia abrir o caminho para a superação do subdesenvolvimento.

A ideia era que o subdesenvolvimento, com o desemprego escondido ou subemprego, representava um desperdício equivalente ao da Grande Depressão e que uma ação do Estado, com alguma política macroeconômica em geral relativamente simples, poderia resolver a falha de mercado.

Todos quiseram ser o Keynes do subdesenvolvimento. Nomes com Paul Rosenstein-Rodan, Ragnar Nurske, Arthur Lewis e, por aqui, Celso Furtado, entre outros, se candidataram. Hoje, o novo-desenvolvimentismo do professor Bresser-Pereira é o filho mais recente desse programa de pesquisa.

Como escreveu Paul Krugman em seu prefácio da edição do aniversário de 60 anos da Teoria Geral, talvez Keynes tenha se deparado com o único problema complexo em ciência social que tinha uma solução relativamente simples. Bastava trocar o motor de arranque que o carro da economia voltava a andar.

Desde os anos 1980, o consenso na teoria do desenvolvimento entre os pesquisadores é que a superação do subdesenvolvimento é um problema de natureza qualitativa muito distinto da redução da amplitude do ciclo econômico.

A superação do subdesenvolvimento depende da construção de um sistema público de educação fundamental universal de qualidade. Os países latino-americanos, apesar do aumento do orçamento, não têm conseguido avançar.

Adicionalmente, a superação do subdesenvolvimento depende da construção de um marco legal institucional que estimule a eficiente alocação da capacidade produtiva do país.

Em ambos os casos, educação e instituições, temos diagnósticos simples de execução muito difícil.

Em vez da grandiloquência macroeconômica, estamos no campo sem charme das inúmeras reformas microeconômicas que, aos pouquinhos, se conseguirmos fazer tudo certo por muito tempo, produzirão o crescimento da produtividade do trabalho por aqui.

Há espaço para o setor público na oferta de bens públicos, principalmente infraestrutura física e humana, mais esta do que aquela, e no estímulo à absorção de novas tecnologias. Novamente, nada muito charmoso.

Não temos avançado muito nas últimas décadas.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2024/09/sequestrados-por-keynes.shtml

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Sobre o autor

Samuel Pessôa