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Como igualar oportunidades?

É preciso complementar políticas sociais existentes com medidas de estímulo à parentalidade, aos municípios para focar na alfabetização e implementar programas baseados em evidências nos ensinos fundamental e médio, tendo as escolas integrais como primeiro passo

Valor

A situação social no Brasil melhorou muito nos últimos 30 anos. O fim da hiperinflação, a universalização do acesso à educação, a criação do SUS e o programa Bolsa Família melhoraram bastante a vida dos mais pobres. No entanto, isso ainda não foi suficiente para que a sociedade brasileira tenha mais igualdade de oportunidades. Jovens que nascem em famílias mais vulneráveis continuam tendo muito mais dificuldades para realizar seus projetos de vida do que os que nascem em famílias privilegiadas. Como podemos mudar isso?

Atualmente temos políticas sociais em várias áreas, englobando creche, pré-escola, saúde, habitação e assistência social. Porém, mesmo programas bem-sucedidos, como o SUS e o Bolsa Família, ainda não são suficientes para que possamos ter mais mobilidade de renda entre as gerações. Por exemplo, evidencias recentes mostram que 60% dos jovens adultos que receberam o Bolsa Família quando eram crianças, não mais o recebem, uma ótima notícia.1 Entretanto, apenas 45% dos jovens estão empregados no setor formal, a maioria em ocupações não-qualificadas. E a maioria dos que receberam Bolsa Família ainda estão no setor informal ou desempregados, que são minoria entre os que nasceram em famílias ricas.

Assim, as oportunidades ainda não estão equalizadas. Para isto, é necessário que tenhamos políticas públicas baseadas em evidências, implementadas em escala nacional, desde o nascimento da criança até o fim do ensino médio. Estudos mostram que as crianças que cursam todo o ciclo escolar sem repetência e tiram boas notas no Enem estão prontas para o mercado de trabalho ou para cursar o ensino superior. Mas que políticas são estas?

Atraso na alfabetização é maior impeditivo para o aprendizado futuro e a inserção no mercado em posições qualificadas

Na primeira infância, as pesquisas recentes estão convergindo para a importância de programas que ensinam os pais a dar apoio, formação e estímulos para seus filhos. O objetivo destes programas é equipar os pais para que eles tenham conhecimento e habilidades suficientes para entregar um ambiente estimulante para seus filhos, ou seja, que ensinem os pais a ensinar.

Estes programas podem ocorrer nas pré-escolas, como o programa icônico analisado pelo economista James Heckman (Perry Preschool), ou por meio de visitações nas casas das famílias mais pobres, como o também icônico programa “Reach” na Jamaica nos anos 1980. Qualquer que seja o formato e local da implementação, os programas que parecem funcionar melhor nos países em desenvolvimento são os focados em ensinar os pais para que eles possam estimular a cognição dos seus filhos.

Os programas típicos nestes países envolvem visitas de cerca de uma hora a cada duas semanas a famílias com crianças entre 0 e 3 anos de idade. Em termos de resultados, o efeito destes programas é tipicamente suficiente para eliminar a diferença de desenvolvimento entre as crianças muito pobres e os filhos de classe média. Além disto, a última avaliação do programa “Reach-up” da Jamaica, quando as crianças já tinham 31 anos de idade, mostrou que a renda do grupo que recebeu a política era 37% maior do que o grupo de controle. Assim, estes programas tendem a aumentar bastante a mobilidade de renda entre pais e filhos.

Porém, os programas de visitação que foram testados no Brasil até agora não tiveram o impacto esperado nas nossas crianças. As avaliações de impacto destes programas mostram que houve graves problemas de gestão e implementação, além da pandemia. A grande dificuldade que temos em muitas políticas públicas no Brasil é a falta de planejamento adequado, falta de um período longo de treinamento e de capacidade administrativa nos municípios.

Precisamos coordenar um novo programa de mentoria para pais que funcione no Brasil como um todo. As evidências mostram que políticas deste tipo são mais efetivas se forem atreladas a um programa existente, como o programa Bolsa Família ou a estratégia Saúde da Família. Até porque não há recursos disponíveis para implementarmos um novo programa social em escala nacional.

Mas, mesmo depois de termos este programa funcionando, não há garantias de que iremos tornar as habilidades mais iguais, pois as diferenças nos sistemas escolares frequentados pelas famílias ricas e as pobres no Brasil é muito grande. Um dos nossos principais desafios hoje em dia, por exemplo, é fazer com que as crianças se alfabetizem plenamente na idade certa. Hoje em dia, somente cerca de 50% das crianças está alfabetizada aos 8 anos de idade nas escolas públicas. Este é o maior impeditivo para o aprendizado futuro e para a inserção no mercado de trabalho em posições qualificadas.

Assim, mesmo que resolvamos a questão de parentalidade, ainda teremos que resolver a questão da gestão educacional nos municípios. Atualmente, existem municípios em que somente 30% das crianças de 8 anos estão alfabetizadas, ao passo que em outros isto ocorre com mais de 70% delas. Não será possível conseguir igualar as oportunidades sem que os municípios tenham incentivos e penalidades financeiras do governo federal para resolver seus problemas de alfabetização.

Por fim, quando a criança chega no segundo ciclo do ensino fundamental, uma das políticas que mais tem funcionado é o ensino em tempo integral. Várias pesquisas têm mostrado que alunos que estudam em escolas em tempo integral alcançam maiores notas no fim deste ciclo e no ensino médio. Além disto, municípios com mais escolas de tempo integral geram mais empregos no setor formal, têm mais matrículas no ensino superior e menos homicídios.

Em suma, para tornar as oportunidades mais iguais, será necessário, em primeiro lugar, complementar as políticas sociais existentes com programas de estímulo à parentalidade, para que as crianças se sintam cuidadas e estimuladas desde a primeira-infância. Em seguida, é necessário fornecer estímulos financeiros para que os municípios queiram colocar foco na alfabetização das suas crianças. E depois será necessário implementar políticas educacionais baseadas em evidências, tanto no segundo ciclo do ensino fundamental como no ensino médio. Para isso, as escolas em tempo integral são o primeiro passo.

1. “Social mobility and CCT Programs: The Bolsa Família Program in Brazil” Fassarella, Ferreira, Franco, Pinho Neto, Ribeiro, Schuabb e Tafner.

Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/como-igualar-oportunidades.ghtml

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Sobre o autor

Naercio Menezes Filho