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Projeto de lei abre porta para o subprime brasileiro

Folha

A piora da desigualdade nos EUA gerou pressões para políticas públicas que barateassem as hipotecas para as baixas rendas. A política tem justificativa social.

Como é difícil encontrar espaço orçamentário para subsidiar diretamente a aquisição da casa própria, a política resolveu afrouxar a regulação para permitir que o setor privado assumisse maiores riscos.

Como lembra o economista e professor de Chicago Raghuram Rajan, no excelente “Linhas de Falha“, editado pela BEI, um documento do presidente Clinton estabelecia que “estratégias de financiamento, estimuladas pela criatividade e pelos recursos do setor público e privado, devem lidar com todas essas barreiras financeiras à casa própria”.

Ou seja, “a administração Clinton afirmava que o setor financeiro deveria encontrar maneiras criativas de conseguir que pessoas que não podiam pagar pelas casas se comprometessem assim mesmo”.

Essa história não terminou bem.

Está em tramitação no Senado o projeto de lei 1.725. No quarto capítulo, o projeto estabelece que a Empresa Gestora de Ativos, conhecida por Emgea, uma empresa pública vinculada ao Ministério da Fazenda, possa adquirir carteiras de hipotecas que foram originadas nos bancos comerciais.

Essencialmente, um banco que originou diversas hipotecas pode empacotá-las e vendê-las para a Emgea. A Emgea emite títulos lastreados nessas hipotecas e, com os recursos, compra a carteira de empréstimos imobiliários dos bancos.

A Emgea ficará com as hipotecas no seu balanço, a remuneração do título será fixa, e o risco de inadimplência ficará com a estatal. Ou seja, quem comprou o título emitido pela Emgea, para que esta tenha recursos para comprar as hipotecas dos bancos, não corre risco. Lembremos, a Emgea é uma empresa pública. O risco dela será do Tesouro Nacional.

A venda pelos bancos das hipotecas é positiva. Abre espaço para que concedam novos empréstimos. É importante, no entanto, que o comprador seja alguém do setor privado. Ele saberá avaliar o risco de operação. E, se errar na avaliação, o custo ficará restrito ao comprador.

No entanto, o projeto de lei erra ao permitir que uma agência pública tenha essa função. O setor público não tem a menor condição de fazer esse tipo de avaliação. O texto abre a porta para que construamos por aqui um subprime. Com algumas diferenças, o projeto transforma a Emgea em nossa Fannie Mae e Freddie Mac, as duas empresas mistas americanas que protagonizaram a crise do subprime.

A dificuldade do baixo desenvolvimento do mercado de crédito imobiliário brasileiro é consequência dos elevados juros básicos de nossa economia. Enquanto não conseguirmos construir um equilíbrio macroeconômico com taxas de poupança um pouco maiores, não avançaremos.

Por outro lado, se o setor público deseja estimular que famílias de baixa renda tenham condição de adquirir a casa própria, a forma de fazê-lo é subsidiar diretamente —isto é, por meio de recursos orçamentários— parte do valor do imóvel. Atalhos aqui não são bons companheiros.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2024/10/projeto-de-lei-abre-porta-para-subprime-brasileiro.shtml

As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.


Sobre o autor

Samuel Pessôa