A principal tarefa para a promoção do crescimento em economias como a nossa consiste em enfraquecer as forças de manutenção
Por Horacio Lafer Piva, Pedro Passos e Pedro Wongtschowski
Estadão
É notável como os acontecimentos dos últimos tempos prenunciam uma expressiva mudança na arquitetura produtiva global, estabelecendo novos limites e oportunidades. Com efeito: os desafios impostos pela mudança climática assim como pelo ressurgimento de políticas industriais intervencionistas tendem a alterar o espaço produtivo de forma marcante, disseminando “destruições criativas” por todos os setores e regiões.
Nessa composição produtiva, em especial o movimento para uma economia de baixo carbono, ressurge uma oportunidade ímpar para o Brasil, por suas vantagens em recursos naturais e matriz elétrica composta por mais de 84% de fontes renováveis.
Os recursos minerais são outro importante ativo que o Brasil possui para participar das cadeias produtivas de baixo carbono. Além de nosso minério de ferro ser mais adequado à redução de emissões, os minérios vitais – cobre, níquel, lítio, grafite e outros – são abundantes e podem se beneficiar do nearshoring em razão de preocupações de segurança de fornecimento.
Ocorre que a agenda para atingir tal fim é complexa, pois implica construir um arcabouço institucional diverso do atual criado ao longo de décadas, a partir do projeto de construção de uma economia autárquica e, portanto, protecionista, incrustada por instituições destinadas à preservação do status quo.
É o que o Banco Mundial, no World Development Report deste ano, denomina forças de permanência, de atraso, em contraposição às forças criativas, de avanço. Assim, a principal tarefa para a promoção do crescimento em economias como a nossa consiste, a um só tempo, em enfraquecer as forças de manutenção e criar mecanismos que incentivem as empresas a inovarem, capacitando-as a concorrer em um mundo globalizado.
Tal diagnóstico está em plena sintonia com os trabalhos dos três economistas recém-laureados com o Prêmio Nobel, que resgatam a centralidade das instituições no processo de crescimento econômico ao propor transformar em “inclusivas” as instituições “extrativistas” que hoje regulam o funcionamento da sociedade, pois, só assim, cria-se o incentivo para o investimento em capital humano e físico, como bem aponta a revista The Economist. Trata-se, em suma, de uma questão política.
O processo inicia-se por meio do enfraquecimento das barreiras políticas e institucionais concebidas pelas empresas líderes e elites sociais visando à manutenção de privilégios. Além da desregulamentação do mercado, devem ser instauradas medidas no sentido de criar um ambiente competitivo, onde as empresas sintam-se pressionadas a concorrer.
Importante papel deve ser conferido ao fortalecimento das agências reguladoras e que lidam com a concorrência, tornando-as financeira e politicamente independentes, com poderes de regulação estendidos.
Na sequência, há de se estabelecer uma política industrial que crie incentivos eficazes para o aperfeiçoamento das empresas, os quais devem ser continuamente monitorados para avaliar seu custo de oportunidade. A concessão de subsídios temporários na Coreia do Sul para a absorção de tecnologia estrangeira é um bom exemplo de incentivos adequados.
A primeira medida a ser implantada seria a abertura inabalável do comércio externo mediante a paulatina redução das tarifas e eliminação das barreiras não tarifárias, “normalizando” a política comercial brasileira, no sentido de fazê-la convergir com a de seus pares.
Especial atenção deve ser dada à redução das tarifas sobre bens de capital, pois produzem forte impacto sobre a produtividade. Nessa nova configuração, vale notar, já se evidencia como determinadas ações prejudicam as forças de permanência – empresas de bens de capital – mas beneficiam as de bens finais.
Na área de energia o grande desafio é o de expandir a oferta de fontes renováveis a preços competitivos, cujas condições vêm sendo erodidas nesses últimos anos em razão do aumento das tarifas. Hoje há 16 encargos setoriais que, somados aos impostos, compõem 40% do custo da energia. Aqui certamente encontra-se um dos grupos mais amplos e estruturados das forças de permanência, exigindo atenção e ações corajosas.
Apesar do extraordinário desempenho do agronegócio brasileiro, tendências recentes trazem novos desafios. Caso não seja adiada, o maior problema provém da lei antidesmatamento da União Europeia que veda a importação de produtos originários de áreas que foram desmatadas a partir de 2020.
Espera-se que a bancada ruralista do Congresso abandone posições ultrapassadas, ainda defendidas por parte de seus representantes, e passe a apoiar a política ambiental, pois ao não o fazer coloca as exportações do agronegócio brasileiro em risco.
Quanto à exploração mineral, é importante considerar os impactos ambientais e sociais de cada projeto, requerendo um sistema de licenciamento racional com o objetivo de minimizar riscos e assegurar investimentos.
Finalizando, em paralelo às medidas setoriais, será indispensável agir sobre fatores que afetam o custo Brasil, sendo os mais relevantes a qualidade do capital humano, o ambiente de negócios e a qualidade das instituições.
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.