Alexandre Manoel, Marcos Lisboa, Marcos Mendes, Samuel Pessoa
FGV IBRE
O texto documenta o aumento dos gastos de Dilma 1 e Bolsonaro na tentativa de reeleição. Avalia também a herança fiscal de Dilma 1 até Bolsonaro, bem como documenta a piora fiscal dos últimos dois anos. Finalmente, mostra que houve intervenção no câmbio em 2014 fato que não ocorreu em 2022, após a instituição da independência do Banco Central.
Este texto sistematiza a expansão dos gastos públicos durante as tentativas de reeleição nos governos Dilma 1 (2011-2014) e Bolsonaro (2019-2022).
Em ambos os casos, a expansão do gasto ao final do mandato resultou em desequilíbrios nas contas públicas a serem enfrentados pelos governos seguintes. Parte importante desse desequilíbrio decorreu da utilização de mecanismos criativos para evitar que a expansão fiscal aparecesse nas estatísticas de resultado primário.
Nosso principal objetivo é apresentar uma medida da expansão de gastos em final de mandato, incluindo aqueles que não aparecem no resultado primário.
Esse texto analisa, igualmente, um segundo instrumento de intervenção da política econômica: a manipulação da taxa de câmbio.
A pesquisa acadêmica documenta a frequência, na América Latina, da utilização da política fiscal ou da cambial com o objetivo de gerar a percepção de maior bem-estar social no período eleitoral, ainda que resulte em problemas econômicos nos anos seguintes.
Por essa razão, é usual em muitos países no mundo, sobretudo nos desenvolvidos e em vários emergentes, a adoção de mecanismos institucionais que procurem garantir a robustez da política econômica no médio prazo, consistente com objetivos transparentes.
Um exemplo desses mecanismos é a autonomia do Banco Central, em que o poder eleito define as metas de política monetária, cabendo à autoridade monetária fazer a gestão da política para atingir os objetivos. A eleição da diretoria do Banco Central, com mandatos descasados inclusive do Executivo, é parte do desenho institucional adotado.
No Brasil, a autonomia do Banco Central apenas foi aprovada em 2021, bem depois do observado em outros países.
No campo fiscal, as melhores práticas relacionam-se ao chamado “marco fiscal de médio prazo”, que estabelece projeções e limites fiscais para um horizonte de 3 a 4 anos e utiliza diversas regras para contrabalançar o viés de curto prazo dos ciclos políticos.
O Brasil tem adotado diversas regras e mecanismos de controle para tentar garantir a gestão equilibrada das contas públicas. Entretanto, ainda está longe de ter um marco fiscal de médio prazo crível e robusto.
Com frequência são adotados mecanismos criativos para driblar as regras. Esses mecanismos, por vezes, são pouco transparentes e não transitam pelos gastos primários. As instituições de controle não têm sido capazes de prevenir o descontrole em diversos momentos. O resultado é o crescimento da dívida pública.
O fenômeno ocorre em todas as esferas de governo, como revelam as frequentes crises em Estados da federação, por vezes com rompimento de contratos e descumprimento das normas que, por vezes, são estabelecidas pelos órgãos de controle.
A consolidação das contas públicas nos governos Dilma 1 e Bolsonaro revela um resultado talvez inesperado. Os dados indicam que os gastos eleitorais de Bolsonaro estimados em 0,2% do PIB, segundo a configuração básica do estudo, foram menores do que os de Dilma 1, que calculamos em 3,1% do PIB.
A situação fiscal deixada por Bolsonaro para o Governo Lula 3, ao assumir em janeiro de 2023, era de superávit estrutural de 0,2% do PIB, porém com gastos encobertos de 0,9% do PIB, implicando a necessidade de ajuste fiscal estrutural de 0,7% do PIB.
Essa situação era melhor que a repassada por Temer a Bolsonaro: déficit fical estrutural de 1,8% do PIB, mas com redução de gastos encobertos de 0,6% do PIB, implicando a necessidade de ajuste de 1,2% do PIB.
Esta já foi uma melhoria significativa em relação à situação ao final de Dilma 1, em 2014: déficit estrutural de 1,8% do PIB mais gastos encobertos de 1,7% do PIB, totalizando a necessidade de ajuste de 3,5% do PIB.
Além disso, documentamos a expressiva intervenção promovida pelo Banco Central no mercado de câmbio no fim do primeiro governo Dilma, fenômeno não observado no governo Bolsonaro.
Em 2023, no primeiro ano do governo Lula 3, contudo, em vez de novos avanços na lenta melhoria fiscal estrutural observada desde o primeiro ano do segundo mandato de Dilma, houve um significativo aumento do gasto público primário real (deflacionado pelo IPCA) de quase R$345 bilhões.
É possível argumentar que parte deste aumento se devem a medidas tomadas no governo Bolsonaro. Trataremos dessa questão à frente. Argumentaremos que foram feitas escolhas que permitiram, ao menos parcialmente, criar espaço fiscal para esses gastos. O mesmo não ocorre no atual governo.
O texto termina documentando a piora fiscal dos últimos anos. Houve claramente uma opção da gestão Lula por não fazer escolhas para acomodar as políticas públicas de seu governo.
Essa piora fiscal foi motivada por dois fatores principais: 1) as propostas de expansão das despesas parafiscais; 2) um aumento efetivo na despesa primária, que subiu 1 ponto percentual do PIB, passando de 18% para 19%, em relação ao patamar deixado pelo governo anterior.
Os mecanismos parafiscais, que não transitam pelo resultado primário, ilustram a retomada da criatividade para conceder gastos públicos que aumentam a dívida pública, porém sem a transparência esperada nos indicadores usuais da contabilidade do setor público.
Em seguida a esta introdução, este documento está estruturado em cinco partes. A primeira seção aborda a metodologia e os dados relacionados aos processos eleitorais de 2014 e 2022.
A segunda seção apresenta a política de forte intervenção no câmbio no período pré-eleitoral ocorrida em Dilma 1, que contrasta com a não intervenção sistemática no governo Bolsonaro, já com independência do Banco Central.
Uma breve terceira seção sumariza a importância de regras e políticas criveis na gestão da política econômica e oferece alguns exemplos.
A quarta apresenta uma metodologia para a avaliação da herança fiscal de um governo e aplica a metodologia para os últimos governos. Ficará claro que houve, desde Dilma2/ Temer, melhora fiscal que foi revertida nos últimos anos.
A última seção analisa os dados da piora fiscal no atual mandato presidencial.
O texto contém dois anexos: o Apêndice 1 documenta os dados e as duas fontes de gastos ocultos ou encobertos deixados por um governo para o próximo, que são: i) precatórios inscritos durante o mandato que não foram pagos; e ii) o aumento do total de restos a pagar. O Apêndice 2 faz uma revisão da pesquisa acadêmica sobre o ciclo eleitoral e suas implicações no câmbio na América Latina.
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