Além de manter a política monetária sob controle — tarefa já complicada em um cenário global de incertezas —, Galípolo enfrentará desafios que vão muito além dos juros
InfoMoney
A sabatina de Gabriel Galípolo, atual diretor de política monetária do Banco Central, marcou um novo capítulo na história da instituição. Pela primeira vez, o presidente do Banco Central é substituído dentro da nova autonomia formal da Instituição. O momento é consideravelmente importante. Uma nova equipe econômica que precisa conquistar não só a confiança do mercado, mas também de seus pares no Banco Central.
Se a substituição de vários membros já é desafiadora, temos também o processo de convencimento da sociedade de que o novo grupo irá de fato continuar “honrando” a autonomia formal do Banco Central.
O núcleo duro do Palácio do Planalto, assim como os senadores e o próprio Galípolo, no entanto, parecem confiar em seu taco e acreditam que ele estará preparado para o desafio. Ainda assim, isso continuará em construção até o fim do seu mandato.
Com sua recente aprovação no Senado, onde obteve a maior margem de votos positivos dos últimos 20 anos, Galípolo mostrou que tem respeito político para a função. Foram 56 votos a favor e apenas 3 contra,buma votação que até mesmo veteranos da política, do mercado e da academia raramente conseguem. Mas agora, com o apito final da sabatina, a partida de verdade começa: ele precisará equilibrar uma política monetária firme, a pressão do governo por cortes de juros e a necessidade de manter a credibilidade do Banco Central intacta.
E, não só isso, espera-se que a agenda do BC+, muito importante para as reformas microeconômicas e para a melhora do ambiente de negócios brasileiro, tenha continuidade ao longo de seu mandato como presidente.
Logo após a indicação de Galipolo e outros três diretores, desde agosto do ano passado, ficou claro que as coisas no Banco Central não seriam tão tranquilas. O BC, que vinha se alinhando com boa harmonia interna até então, viveu momentos de tensão com a chegada da nova diretoria, nomeada pelo governo atual.
A reunião de maio deste ano do Comitê de Política Monetária (Copom) com os novos integrantes foi um exemplo disso: enquanto a ala mais antiga mantinha uma postura agressiva, sugerindo aumentos maiores de juros, os recém-chegados, inclusive o atual futuro presidente da instituição, Gabriel Galípolo, adotaram um tom mais dovish, sugerindo aumentos de juros graduais. Isso não passou despercebido e foi muito mal recebido pelo mercado, com reação imediata na instabilidade da curva de juros e a interpretação de que a composição futura de representantes do Banco Central, indicada, em maioria, pelo governo atual, seria mais submissa a pedidos de queda de juros, podendo levar o país a ter sua inflação novamente fora do controle e no limite a um cenário de dominância fiscal.
Até hoje, mesmo depois de uma postura mais dura sendo adotada pelos diretores, a credibilidade da composição atual e futura da instituição é vista com desconfiança.
É aí que entra a figura de Gabriel Galípolo. Indicado por um governo que vem pressionando por juros mais baixos, Galípolo teve que, ironicamente, adotar uma postura “hawkish” — ou seja, defender políticas mais duras e conservadoras para controlar a inflação e garantir a estabilidade da economia. Essa postura é fundamental, porém não suficiente, para acalmar os ânimos do mercado e, mais importante, demonstrar que ele não cederá a pressões políticas por uma redução prematura dos juros.
Em outras palavras, Galípolo assume a responsabilidade de ser o “fiscal do mercado”, tendo que se esforçar para convencer o mercado de que o BC não se transformará em uma extensão do governo de plantão. Ele terá sucesso nessa missão? O tempo dirá, mas o início trouxe algumas dúvidas. Apesar do tom de algumas de suas falas e da unanimidade de votos a favor da retomada de um ciclo de alta de juros, sob pretexto de um ciclo de credibilidade, a comunicação abre margem para o entendimento de que há necessidade de aprovação do Executivo para a elevação de juros, o que é um absurdo para a independência do Bacen.
O Legado de Roberto Campos Neto
Mas antes de olharmos para o futuro, vale a pena reconhecer o trabalho de quem está saindo. A gestão de Roberto Campos Neto à frente do Banco Central foi marcada por importantes avanços. Sob sua liderança, o BC — uma agenda de modernização iniciada ainda na gestão de Ilan Goldfajn — floresceu, trazendo o Brasil para a vanguarda dos sistemas financeiros globais.
Campos Neto foi um dos grandes responsáveis pela transformação do ambiente de negócios no Brasil. Além disso, por mais que críticas existam, não dá para negar que ele conseguiu avançar em direção à independência da instituição, em meio a um período político bastante turbulento, com pressões muitas vezes nada razoáveis.
A independência orçamentária do BC, que está em andamento no Congresso, é um outro marco crucial para garantir que o BC possa fazer bem suas funções, desde o controle da inflação e as decisões de política monetária, até a garantia de um sistema financeiro saudável.
Outro ponto alto de sua gestão foi a implementação do PIX e tudo que tem sido feito nessa área de pagamentos. Parece que o PIX já faz parte do cotidiano há uma eternidade, mas é bom lembrar que essa tecnologia foi introduzida durante a administração de Campos Neto e rapidamente se tornou uma ferramenta essencial para a inclusão financeira. Ao facilitar pagamentos instantâneos e gratuitos, o PIX bancarizou milhões de brasileiros que, antes, estavam à margem do sistema financeiro tradicional. É uma revolução tecnológica que tirou o Brasil da retaguarda e colocou-o na linha de frente global quando se trata de métodos de pagamento.
Sabatina de Gabriel Galípolo e os Desafios à Frente
Voltando a Gabriel Galípolo, o sucesso de sua sabatina no Senado não foi apenas uma vitória pessoal, mas um indicativo do peso colocado em suas costas para conduzir o BC em tempos de políticas conflitantes, o BC apertando e a política fiscal expandindo.
Mas, como já dissemos, é agora que o verdadeiro teste começa. Além de manter a política monetária sob controle — tarefa já complicada em um cenário global de incertezas —, Galípolo enfrentará desafios que vão muito além dos juros. A agenda BC+ é um desses desafios, e sua continuidade será essencial para que o Brasil mantenha sua posição de destaque no campo da inovação financeira.
A agenda BC+ não é apenas uma política de modernização. Ela é a chave para garantir que o Brasil siga competitivo, especialmente em um cenário global onde as fintechs e a digitalização estão moldando o futuro dos sistemas financeiros. A implementação do PIX foi um primeiro passo, mas a demanda por novas tecnologias e a integração global está apenas começando. E, aqui, Galípolo terá que mostrar que está à altura do desafio.
Conclusão
A missão de Gabriel Galípolo à frente do Banco Central será árdua, mas ele pode estar começando com o pé direito: uma aprovação expressiva no Senado, o apoio da instituição e a confiança de que pode liderar com responsabilidade e firmeza. Sua postura hawkish, até agora, foi bem recebida pelo mercado, e o compromisso de manter a independência do BC intacta é um bom sinal de que ele não será moldado por interesses políticos.
O legado de Roberto Campos Neto deixa uma base sólida. Agora, resta a Galípolo e a equipe do BC continuar essa jornada, mantendo o Brasil à frente em inovação financeira, protegendo a estabilidade econômica e, é claro, garantindo que o BC siga firme em seu papel de guardião da moeda e da confiança do mercado.
Este artigo tem a co-autoria de Italo Fabiano, economista da Buysidebrasil
Link da publicação: https://www.infomoney.com.br/colunistas/luiz-fernando-figueiredo/o-que-de-novo-teremos-no-banco-central/
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