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A taxa neutra de juros é uma dessas figuras misteriosas da teoria econômica. Uma das variáveis que não
podem ser observadas, e sim inferidas, mas dependem de um arcabouço teórico para serem estimadas.
Não existe um valor para o qual possamos bater o martelo, mas quem sente seus efeitos sabe que, de
alguma forma, ela está lá. Na prática, é a taxa ideal para que o equilíbrio econômico se mantenha sem
perder o ritmo: uma taxa que nem acelera o crescimento – inflando bolhas – nem puxa o freio de mão,
deprimindo o consumo. Só que para o Brasil alcançar essa “zona neutra” é como tentar equilibrar uma
balança em uma superfície desnivelada.
A taxa neutra no Brasil é elevada em comparação com seus pares. Economistas estimam que ela esteja
entre 4,0% e 5,5%. O tamanho é a dinâmica da dívida pública, o risco fiscal dela e as vulnerabilidades
estruturais que tornam o ponto de equilíbrio mais alto e mais difícil de se alcançar. E, enquanto outros
países dançam suavemente a valsa da economia, nossa taxa neutra muitas vezes soa como uma batucada
apressada: um reflexo de desafios e distorções idiossincráticas.
Para entender os fatores que ajudaram a reduzir a taxa neutra de juros no Brasil é preciso reconhecer a
importância da agenda de reformas iniciada no governo Temer. Em meio à resistência e à impopularidade, essas reformas macro e microeconômicas começaram a atacar os nossos problemas estruturais de longo
prazo. A reforma trabalhista, por exemplo, aliviou custos e impulsionou a eficiência econômica, abrindo
espaço para que o Banco Central pudesse agir com mais suavidade na política monetária.
O teto de gastos trouxe alguma previsibilidade ao estabelecer limites de crescimento para o gasto público, ainda que sua implementação tenha sofrido ajustes e, eventualmente, sido abandonada. Mesmo com as polêmicas, a ideia de controlar o crescimento dos gastos ganhou força e ajudou a reduzir a pressão sobre a taxa neutra de juros, facilitando um cenário econômico mais estável e de crédito acessível.
Essa linha reformista ganhou impulso no governo Bolsonaro, que, entre 2019 e 2022, expandiu a agenda
com marcos legais em setores-chave como Previdência, saneamento e cabotagem, além de promover a Lei das Startups, a Lei de Liberdade Econômica e a independência do Banco Central. Esses avanços foram
essenciais para destravar setores econômicos há muito carentes de regulamentação eficaz, combatendo
ineficiências e distorções de muitos setores de nossa economia.
Se, de um lado, as reformas empurraram a taxa neutra para baixo, por outro, o aumento da dívida pública – que deve ultrapassar os 78% do PIB neste ano e parece determinada a continuar subindo até, pelo menos, 2028 – gera uma dinâmica de alta. E não só isso: o subsídio a crédito é um enorme vetor de alta da taxa neutra de juros, uma vez que a potência da política monetária é afetada.
Trocando gato por lebre, o Brasil tem apelado para receitas não recorrentes, quase como tática de
improviso, para fechar as contas, sem reduzir as suas despesas, mesmo que acumulando impressionantes
recordes de arrecadação de impostos ao longo do ano. Isso, é claro, mina a confiança na política fiscal e
exige um prêmio de risco adicional, o que, em termos práticos, reflete-se na pressão sobre a taxa neutra.
Não ajuda que, no meio disso tudo, o debate político lance dúvidas sobre a diferença entre gasto e
investimento. A confusão entre esses conceitos é mais do que uma questão semântica; representa um
descompasso entre o discurso e a realidade fiscal. Gasto, investimento, impulso fiscal… os investidores
batem a cabeça, enquanto são forçados a assistir tudo, enquanto tentam entender se essa novela um dia terá fim.
A ideia de que todo gasto público gera valor imediato e direto na economia esbarra em uma política
monetária que, sem a colaboração do fiscal, perde sua eficácia – a Selic precisa ser mais potente para
manter a inflação na meta, mas o impulso fiscal, crédito subsidiado e falta de transparência sobre as contas públicas dificultam a tarefa.
E, se tudo isso já não fosse suficiente, temos ainda a imprevisibilidade jurídica que ronda o ambiente de
negócios no Brasil. Falta clareza nos critérios de decisão, especialmente em questões tributárias, e há uma constante ameaça de invalidação de contratos. Essas incertezas acabam gerando um “prêmio de risco” adicional, exigindo que a taxa neutra, novamente, se eleve para compensar o risco que o cenário jurídico impõe aos investidores.
Com tudo isso em jogo, a taxa neutra brasileira é forçada a se equilibrar em um nível bem superior aos
nossos pares. As reformas estruturais puxam a taxa para baixo, enquanto os riscos fiscais, a dívida e a
confusão fiscal-jurídica a jogam para cima. E, enquanto isso, o Banco Central se vê no papel de
equilibrista, tentando segurar a barra e manter o nível sem deixar que uma inflação galopante ou um
crescimento anêmico roubem a cena.
Na prática, esse saldo de vetores mistos significa uma barreira extra para o desenvolvimento econômico.
Em vez de condições facilitadas para investimentos e crescimento, a taxa neutra elevada representa uma
economia que cobra caro para equilibrar-se – e onde os juros reais altos são um fardo constante.
No fim do dia, a chave para baixar a taxa neutra e aproximá-la de uma “normalidade” global é justamente
um compromisso claro e coeso com a estabilidade fiscal e a continuidade das reformas. Não há passe de
mágica: é preciso combinar responsabilidade com consistência nas ações.
Vale ponderar que o Brasil tem suas complexidades e o desafio de manter a taxa neutra em patamar justo não tem remédio milagroso: depende de um plano de longo prazo. Apesar da foto ser ruim, o Brasil não está longe do caminho certo, e é importante continuar propondo ajustes e corrigindo ineficiências, como está sendo feito com a reforma tributária e com o arcabouço fiscal.
Se quisermos um dia ver a taxa neutra de juros baixar e ser comparável a outras economias desenvolvidas, não adianta esperar uma improvisação de última hora. O compromisso com a estabilidade econômica é a linha final. A torcida é que quando esse compromisso for finalmente abraçado, possamos, enfim, ver o Banco Central não mais como um equilibrista esforçado, em um mar revolto, mas como uma autoridade monetária mantenedora da estabilidade.
*Este artigo teve como coautor o economista Italo Faviano, da consultoria Buysidebrazil
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.