Projeto aprovado na Câmara agrava distorções institucionais das emendas
Marcos Mendes e Hélio Tollini
Folha
O STF suspendeu a execução das emendas sob o argumento de que não há transparência e de que a interferência do Legislativo na execução do Orçamento infringiria a cláusula pétrea de separação dos Poderes.
Ademais, o alto volume financeiro acabaria por “inviabilizar a consecução de políticas públicas, atingindo o núcleo do Princípio da Separação dos Poderes”, conforme decisão liminar do ministro Flávio Dino.
Para supostamente se adequar às exigências do STF, a Câmara aprovou novas regras. Mas agrava, em vez de resolver os problemas: aprofunda a falta de transparência, consolida a interferência na execução e eleva o valor total das emendas.
Sob o rótulo de “emenda de comissão” o art. 5º reinstitui o mecanismo básico das “emendas de relator”, já declaradas inconstitucionais.
No texto, “emenda de comissão” foi o apelido dado a uma reserva de recursos, que será aprovada sem qualquer definição de como e onde serão gastos. Depois do Orçamento aprovado, durante sua execução, lideranças partidárias dirão onde aquele dinheiro será aplicado.
As comissões viraram barriga de aluguel. Quem manda na destinação do dinheiro são alguns líderes do Congresso, como ocorria com as emendas de relator. Uma verba blindada da discussão democrática sobre as prioridades de alocação de recursos.
O que são hoje as emendas?
- As emendas são uma forma pela qual deputados e senadores conseguem enviar dinheiro para obras e projetos em suas bases eleitorais e, com isso, ampliar seu capital político. A prioridade do Congresso tem sido atender seus redutos eleitorais, e não as localidades de maior demanda no país.
O projeto de lei também regride ao oficializar o valor das “emendas de comissão”. Hoje elas não têm verba previamente reservada. Agora, haverá um valor de R$ 11,5 bilhões previamente destinados para tal, corrigidos anualmente pelo IPCA.
Para um governo que pretende apresentar um pacote de controle de gastos, a conta está começando negativa em R$ 11,5 bilhões.
O art. 11 também interfere na execução orçamentária, ao impor severa restrição aos prazos de análise técnica das emendas pelo Executivo e responsabilizar o gestor por descumprimento.
A Constituição define que as emendas individuais e de bancada sejam corrigidas pela variação da receita corrente líquida. O art. 12 muda a correção para a mesma variação de despesas definida na regra do arcabouço fiscal. Não se pode mudar a Constituição via lei complementar. Logo, a única parte que supostamente limitaria o valor das emendas não deve prosperar.
O art. 13 falha ao permitir que o contingenciamento e o bloqueio das emendas sejam menores do que os realizados para as despesas do Executivo.
O projeto de lei tampouco consegue avançar em outras exigências do STF, como limitar as emendas de bancada a “projetos estruturantes”, conceito não definido no texto. Ademais, permite que as emendas de bancada sejam divididas em até 10% do valor total, o que manterá a atual fragmentação dos recursos.
O texto avança timidamente na diminuição do número de emendas de bancada, em restrições às emendas Pix, e na definição de “impedimentos de ordem técnica” à execução das emendas. Isso não compensa os retrocessos.
A competência do Legislativo deveria se limitar a debater e votar o Orçamento, como ocorre nos países desenvolvidos. Uma vez aprovado, cabe ao Executivo executar a despesa e ao Legislativo fiscalizar a execução.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2024/11/congresso-quer-driblar-o-stf.shtml
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