Ex-presidente do BC salienta que não é de hoje que o SUS é subfinanciado e seria criminoso cortar recursos da Saúde
Globo
O economista Armínio Fraga, que sempre trata com rigor a questão fiscal e defende a redução das despesas públicas, acha que o corte não pode ser feito no orçamento da Saúde. “Mais do que um erro, seria um crime”, diz ele. Armínio, ex-presidente do Banco Central, é também conhecido por se envolver na defesa de políticas públicas na área da saúde. Eu o entrevistei sobre a economia brasileira, mas também sobre a conjuntura americana depois da eleição presidencial. “Só ouvir o nome de Trump nesse momento, sugere que vamos entrar em rota de alta turbulência”.
Armínio disse que todas as indicações de Donald Trump, até agora, mostram com muita clareza que ele pretende implantar o programa de altas tarifas comerciais contra os outros países, especialmente a China. Uma lição da história, que ele lembrou, foi da lei Smoot-Hawley que elevou tarifas americanas durante o crash da Bolsa de Nova York, em 1929.
— Foi um fator que aprofundou a recessão tremendamente. Espalhou a crise no mundo, fez com que a Grande Depressão, que nasceu nos Estados Unidos, acabasse se tornando uma crise mundial. O Brasil naquela época se isolou um pouco do mundo, mas eu não creio que isso seja possível hoje.
Além do protecionismo, outra preocupação com a nova gestão americana é o expansionismo fiscal que seria provocado pelas suas promessas. Mas Armínio notou que um dos nomes fortes para ser nomeado para a Secretaria do Tesouro, o economista Scott Bessent, escreveu um artigo no Wall Street Journal com sinais importantes.
— Ele deu sinais sutis, mas que deixaram explícitos de que talvez Trump não faça a expansão fiscal que se imaginava que ele faria. Da outra vez, a economia americana estava em pleno emprego, ele meteu o pé no acelerador e isso do ponto de vista macro foi um erro. Por isso, os juros americanos de longo prazo têm subido. O mercado já achava que Trump tinha chances de ganhar e por isso os juros começaram a subir.
Nesse ambiente mais hostil, de instabilidade fiscal americana e protecionismo, o que pode fazer um país como o Brasil para se proteger? Armínio acha que não há proteção muito eficaz, o governo está apostando em se fortalecer com um ajuste fiscal que, no entanto, tem sido adiado.
— A aflição do mercado procede porque o governo está pagando uma taxa muito alta. Nesse contexto, aplaudo o esforço do ministro Haddad, mas acho que esse arcabouço já nasceu frágil. Ele promete muito no último ano de governo, que é um ano difícil do ponto de vista fiscal.
Armínio diz que para estabilizar a sua vida fiscal, o Brasil precisa fazer um ajuste maior, que não seja apenas mais um contingenciamento e mexa com os grandes blocos de defesa.
—Gastos com a previdência, gasto com a folha de pagamento do Estado como um todo, esses dois juntos somam 80% da despesa pública. Se não olhar essas duas contas não tem jeito, está tudo vinculado no orçamento também. Tem uma terceira área que são os gastos tributários, os subsídios, que não fazem sentido econômico, social e somam 6% do PIB. No horizonte de anos, daria para economizar metade disso.
Armínio foi firme quando perguntei se achava possível cortar gastos com saúde.
—Não acho que seja possível. Pior do que um erro, seria criminoso reduzir orçamentos federal, estaduais ou municipais com saúde que já não dão conta do recado. Acho que entendemos que o SUS tem sido algo de maior importância para nós. E não é de hoje que o SUS é subfinanciado. Claro que existe espaço para aumento da eficiência, uso de tecnologia, mas deveria é sair daquele três blocos de despesa para ir mais para o SUS e não menos.
Quando perguntei por onde cortar, se poderia ser desvinculando as despesas previdenciárias do salário mínimo, ele disse:
— Eu desvincularia. É um tema dificílimo, mas eu não sou candidato a nada, posso falar o que eu penso, porque acho que temos que olhar também custos e benefícios. O aumento real do salário mínimo tem que entrar em outra discussão. O Brasil tem um problema colossal com a informalidade na economia, o que reduz a produtividade e aumenta a desigualdade.
Sobre o resultado dos erros de Trump, Armínio lembrou que os americanos estão com um déficit público de 7% e a dívida já passou de 100% do PIB. Disse que eles têm o privilégio de emitir a moeda de reserva, mas que há algum limite. E isso já está na cabeça das pessoas.
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