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O misterioso caso das expectativas de inflação

Acusar a pesquisa Focus de ter viés parece bastante descabido

Valor

Expectativas inflacionárias influenciam de forma importante a trajetória da própria inflação. As expectativas, por sua vez, dependem de diversos fatores, como a meta para a inflação, a credibilidade da política monetária, o hiato do produto, corrente e esperado etc. Dada sua importância para o processo inflacionário, as expectativas são um insumo importante nos modelos econométricos utilizados pelos principais bancos centrais, inclusive o nosso.

Medidas empíricas de expectativas de inflação podem ser obtidas de diferentes maneiras. Uma, perseguida por uma ampla gama de instituições e adotada pelo Banco Central desde o princípio do século, é por meio de pesquisas junto a especialistas – no nosso caso, a pesquisa Focus, cujos resultados são publicados semanalmente. Essa pesquisa, a Focus, é baseada em uma amostra de 100-150 respondentes, a maioria de áreas econômicas de bancos e gestoras de ativos, que costumam investir recursos importantes nesse tipo de atividade. É possível, também, recorrer a pesquisas de opinião junto a públicos distintos.

Outra possibilidade é extrair expectativas de inflação dos preços de ativos, especificamente a diferença entre os retornos de títulos indexados e não indexados à inflação. Essa última alternativa tende a ser menos utilizada, visto que a citada diferença pode refletir, além de expectativas inflacionárias, prêmios de risco e aspectos técnicos do mercado de títulos. Ainda assim, persiste – alguns observadores argumentam que as expectativas que contam deveriam ser as dos tomadores de risco no mercado de títulos, e não dos economistas.

Desde o início da implementação do regime de metas, o uso das expectativas extraídas pela pesquisa Focus como insumo do modelo de projeção utilizado pelo Copom tem sido objeto de críticas, que não raramente atribuem as elevadas taxas de juros a um alegado viés dos participantes da pesquisa, que estariam recorrentemente superestimando a inflação.

Só que essa visão não se apoia em fatos. Desde o início da amostra, os economistas do mercado superestimaram a inflação anual, como indica a visão crítica, em oito anos, só que a subestimaram em 17. Em média, os alegados “alarmistas” têm subestimado a inflação em um ponto percentual por ano. Ao passo que a maior surpresa baixista foi 1,92 pp em 2017, a maior altista atingiu 7,73 pp em 2002. Em suma, se existe algum viés por parte dos analistas de mercado, esse é otimista, não pessimista.

Se comparamos as expectativas da Focus com aquelas derivadas de retornos sobre ativos indexados, também fica difícil argumentar que os analistas seriam exageradamente pessimistas. As expectativas do Focus para 2025, 2026 e 2027 estão, no momento, em 4,1%, 3,7% e 3,5%, respectivamente, enquanto as inflações implícitas nos preços de ativos se situam ao redor de 6,1%, 5,8% e 5,8% para os mesmos períodos.

Nesse contexto, vale considerar se outras amostras, com diferentes setores da economia e fontes de informação, apontariam para um cenário inflacionário genuinamente mais benigno. Com esse intuito, o Banco Central, muito acertadamente, lançou nesse ano a pesquisa Firmus, que busca captar as expectativas de uma ampla gama de empresas não financeiras. Um argumento em favor da relevância dessa pesquisa é o fato que empresas, não economistas, fixam preços.

Visão de que economistas do mercado recorrentemente superestimam a inflação não se apoia em fatos

A Firmus ainda é um projeto em desenvolvimento, mas sua amostra, segundo divulgação de maio passado, já chegou a 92 empresas, o que é um tamanho mais do que razoável. A Firmus de agosto mostrava expectativas inflacionárias para 2024, 2025 e 2026 em 4,2%, 4% e 3,6%, acima da meta para a inflação e próximo das respectivas projeções na Focus. Ou seja, a julgar pelas evidências disponíveis até aqui, as visões de empresas e analistas de mercado sobre o cenário prospectivo para a inflação são muito parecidas, sendo estes um pouco mais otimistas.

Ainda assim, alguns críticos podem argumentar que empresas não financeiras são próximas e recorrem aos economistas de instituições financeiras, além de consultorias, para ajudar a elaboração de seus cenários prospectivos. Poderia haver, assim, certo contágio intelectual. Resta, portanto, examinar o comportamento das expectativas de inflação dos consumidores.

E existem dados sobre isso. A Fundação Getúlio Vargas faz um levantamento das expectativas dos consumidores. Consultando essa pesquisa, fica evidente que os consumidores são os mais pessimistas. Considerando as expectativas ao final de um dado ano para o seguinte, a média (desde 2005) da Focus encontra-se em torno de 4,8%, enquanto a média das expectativas de consumidores se situa em 6,9%. Em média, as expectativas de inflação dos consumidores excedem as dos economistas incluídos na Focus em 2,0 pp.

O pessimismo crônico dos consumidores quanto às perspectivas inflacionárias do país pode ter várias razões. Trabalhos acadêmicos recentes indicam que a memória da hiperinflação alemã, que terminou um século atrás, passou de geração para geração, ainda estaria influenciando o processo de formação de expectativas – a nossa hiper terminou apenas em 1994 e foi vivenciada por parte relevante da população adulta. Os consumidores, no Brasil e em toda parte, prestam atenção aos preços de itens de compra frequente, e, dado o histórico, podem dar mais peso a surpresas altistas do que baixistas. Tão ou mais importante, não há de se esperar que consumidores típicos (e isso também vale para todas as economias) tenham um entendimento detalhado do regime de metas para a inflação e, em particular, que seus cenários prospectivos levem em conta a reação da política monetária ao próprio processo inflacionário.

Seja qual for a razão, acusar a pesquisa Focus de ter viés parece bastante descabido. Sempre é bom olhar os dados.

Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/o-misterioso-caso-das-expectativas-de-inflacao.ghtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Mario Magalhães Carvalho Mesquita