Para o CEO da Verde Asset, um dos principais investidores do País, transição no Banco Central não é o risco da economia, mas as contas públicas: ‘BC não é cenário Tombini; o problema é o fiscal’
Estadão
m dos principais nomes do mercado financeiro brasileiro já não enxerga grandes riscos com a transição no Banco Central. Para Luis Stuhlberger, CEO da Verde Asset e gestor do Fundo Verde, não há um cenário “Alexandre Tombini” com a gestão de Gabriel Galípolo à frente do órgão, a partir de janeiro, no lugar de Roberto Campos Neto.
O grande problema, diz, é a política fiscal, já que o déficit nominal do governo brasileiro, que inclui as despesas com juros, está no mesmo nível de países que precisam financiar grandes conflitos: “Só Ucrânia, Rússia e Israel, países em guerra, têm déficit tão alto quanto o Brasil”, afirmou em entrevista ao Estadão.
Ao lado do novo economista-chefe do Verde, Marcos Fantinatti, em sua primeira entrevista no cargo, Stuhlberger diz que a ideia do governo de isentar o Imposto de Renda até R$ 5 mil terá um custo de R$ 70 bilhões a R$ 80 bilhões por ano, e que isso é um risco que pode ofuscar os ganhos com o pacote de cortes gastos a ser anunciado pelo governo Lula.
Mesmo se enquadrando entre os chamados “super-ricos” do País, Stuhlberger diz que a ideia em elaboração pelo Ministério da Fazenda de garantir uma tributação mínima sobre todas as fontes de renda “não é ruim”, mas pode ser difícil de ser aprovada, em função dos lobbies que atuam no Congresso. A seguir, os principais pontos da entrevista.
Qual a avaliação do sr. sobre o momento atual da economia?
Stuhlberger: O Lula imagina que a melhor forma de governar é distribuir dinheiro. Ele pensa o desenvolvimento sob a ótica do Estado. Juntando-se funcionários públicos, aposentados e benefícios sociais, dá um número que está beirando R$ 1,5 trilhão, distribuído a 110 milhões de pessoas. É sobre esse número que se discute dar um limite para o crescimento do gasto. Agora, existe essa vontade de subir a isenção de Imposto de Renda para R$ 5 mil. Por que ele quer isso? Porque da faixa de renda entre zero a R$ 3 mil, praticamente todo mundo vota no Lula. De R$ 3 mil a R$ 5 mil, ele já perde muitos votos; e de R$ 5 mil para frente, ele perde com folga. Então, são muitos votos a ganhar com a isenção. Só que isso vai custar entre R$ 70 bilhões a R$ 80 bilhões.
E esse tipo de pensamento dificulta o controle das contas públicas?
Stuhlberger: O que o Lula pensa da Faria Lima? Que as empresas têm um monte de benefícios, o que é verdade, porque há mecanismos, como as debêntures incentivadas, que não pagam impostos. Temos uma carga tributária de 34% de Imposto de Renda mais Contribuição Social. Mas, se olhar as empresas de capital aberto, elas pagam muito menos. E aí ele pensa: por que eu vou cortar dos pobres, se os ricos ganham bilhões em dividendos e não pagam impostos? Então, esse é dilema do Lula: a Faria Lima me pressiona, ameaça jogar o dólar para R$ 6 – embora não seja assim – para eu cortar dos pobres. E o que os ricos vão me dar, nada? Esse é o escopo da discussão com o ministro (da Fazenda) Fernando Haddad. E o Haddad claramente fala: se você não fizer nada, vai ficar muito pior: a inflação vai subir, o dólar vai para R$ 7 e você vai perder a eleição. Então, essa é a síntese simples, o dilema do governo.
Fantinatti: Temos uma dívida que terminou o ano passado em 74,7% do PIB e já está rodando quase em 78%. Se pensar do ponto de vista estrutural, temos um déficit de 1% do PIB, talvez 1,5%. E você joga isso sobre uma dívida alta e não consegue enxergar uma trajetória sustentável. O arcabouço (fiscal) prevê uma margem de crescimento da despesa entre 0,6% e 2,5% (ao ano acima da inflação), mas ninguém fala mais nisso. Agora, tudo virou 2,5%. Por que não faz esforço para jogar para 0,6%? Parece que prefere o teto. E, nesse cenário, a dívida vai crescer a três ou quatro pontos por ano; daqui a pouco vai para 85% e 90% (em relação ao PIB).
Vocês projetam estabilização da dívida?
Fantinatti: Não consigo enxergar; pelo menos até 2030, começo da década que vem. E esse eu acho que é o grande problema da economia, que não é fácil resolver.
Stuhlberger: Por que os juros reais do Brasil são os mais altos do mundo? Primeiro pela alta indexação: tudo corrige pelo IPCA. Em segundo lugar, porque quando o governo sobe os gastos da maneira que o PT sobe, e mais o incentivo fiscal com o parafiscal, isso faz a economia crescer acima do potencial, e a inflação aparece. O governo gastou em 2023 por conta da PEC da Transição cerca de R$ 170 bilhões – sem contar que o Bolsonaro já tinha subido um monte, porque ele que triplicou o Bolsa Família. Então, tem inflação crônica, e o Banco Central fica preso em armadilhas das quais não consegue sair – e aí entra num círculo vicioso: juros vão ter que subir para 13% ou 13,5%. E vem o gasto do governo com juros, que é o que incomoda o PT raiz. O Brasil vai fazer déficit nominal de 10%, crescendo mais do que 3% do PIB.
É um déficit muito elevado…
Stuhlberger: Só Ucrânia, Rússia e Israel, países em guerra, têm déficit tão alto quanto o Brasil. A gente está com déficit de quem está em guerra. Por isso o mercado está tão cético, mesmo com pacote de R$ 30 a R$ 40 bilhões, mesmo que se aprove uma PEC rápida, que tudo caiba no (teto de) 2,5%. O problema é que ainda tem os R$ 70 bilhões da ideia da isenção do Imposto de Renda até R$ 5 mil. O gasto vai ficar controlado, mas a arrecadação vai cair. E aí, o que dizem Haddad e Lula? Vamos na Faria Lima e dizer que eles têm que pagar mais.
Como se recupera a confiança?
Fantinatti: São duas questões. Uma é: o Haddad consegue levar o limite do arcabouço até 2026? E a outra é a sustentabilidade da dívida. Com esse arcabouço, a gente sempre teve muita dificuldade de ver estabilização – a não ser que ele consiga outros R$ 150 bilhões de receita nova todo ano. Mas o que a gente vê é que, politicamente, está muito difícil. Mas se o pacote for bem feito, com magnitude importante, em torno de R$ 30 bilhões, ajuda.
Mas R$ 30 bi não é pouco?
Fantinatti: É que seriam R$ 30 bilhões estruturais mais R$ 25 bilhões de pente-fino. Tem que garantir os R$ 25 bilhões de 2025. Isso vai ser entregue? Até agora, ninguém sabe. Se somar os dois, aí já são R$ 55 bilhões. Seria positivo para endereçar o cumprimento do (teto de) 2,5% real até 2026, mas não é suficiente para estabilizar a dívida. Se olhar os ciclos políticos do Brasil, o ajuste fiscal é sempre nos dois primeiros anos de governo. Agora, o que a gente está querendo é fazer o contrário. Por isso, 2025 é decisivo. E tem o último governo (Bolsonaro), que foi ruim nesse aspecto do precedente gerado: houve mudanças na Constituição, mudaram a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) e a lei eleitoral para permitir gasto grande na boca da eleição. STF deu decisão que foi boa, não culpou ninguém, mas disse que era inconstitucional. Será que isso vai evitar para frente?
Quando vocês conversam com a equipe econômica, sentem que eles querem fazer o ajuste, mas isso para no Lula?
Fantinatti: Sim.
Stuhlberger: O Lula sabe que precisa do Haddad, porque sem ele é o caos. Mas é claro que, se você pensar do ponto de vista do Haddad, o que ele gostaria mesmo é de aumentar impostos. Mas eles têm essa noção de que está muito difícil aprovar isso no Congresso.
A ideia de colocar o teto de 2,5% para todos os gastos é viável?
Fantinatti: Tem que desindexar tudo. Esse é o grande problema.
E o salário mínimo com reajuste máximo de 2,5%?
Fantinatti: Do ponto de vista das contas públicas, o salário mínimo deveria ser analisado ano a ano, ter um prazo, pelo menos. Lá atrás, eram quatro anos; desta vez, ficou para sempre. Uma coisa é a política terminar e aprovar outra lei para prorrogar. Outra coisa é ter que aprovar uma lei para terminar com a política. Isso é muito mais difícil. Salário mínimo tem um impacto muito grande nas contas públicas. No teto de gastos, o salário mínimo crescer zero real foi ajuda enorme. Se pegar a reforma da Previdência, 50% da economia é salário mínimo. Os outros 50% são mudança de regra.
Stuhlberger: O gasto com Previdência está perto de R$ 1 trilhão. Se ele cresce 4% ao ano, como vai caber no teto de 2,5%?
E isso não vai ajustado agora. O que poderia ser feito?
Fantinatti: O jeito mais simples seria mudar a regra do salário mínimo, colocar só a inflação (e não o crescimento do PIB). Já teria um ganho enorme do ponto de vista fiscal. Não adianta colocar 2,5% de teto do arcabouço se o mercado não vai acreditar que vai cumprir.
O que o mercado espera?
Fantinatti: Vai depender muito da composição. Se vier R$ 50 bilhões, mas com combates a fraudes aí dentro, não ajuda.
Stuhlberger: Se for R$ 30 bilhões, mas R$ 20 bilhões for combates às fraudes, aí é algo que nunca se consegue.
O mercado já está no limite da paciência? O ganho de confiança com a equipe econômica acabou?
Stuhlberger: Isso o mercado não vai dar, porque seja lá o que eles economizarem agora, vão gastar com redução de receita para ir até o R$ 5 mil de isenção de Imposto de Renda.
Essa ideia da isenção do IR virou uma fonte grande de incerteza?
Stuhlberger: O Lula quer emparedar o Congresso, e o Congresso não vai ter o menor problema de aprovar isso.
Fantinatti: Dificulta ter uma lua de mel com o pacote também, por causa disso – porque a isenção dos R$ 5 mil está ali na mesa.
Mas a ampliação para R$ 5 mil não teria uma compensação específica?
Stuhlberger: Isso nunca foi dito claramente, mas a ideia é ter uma alíquota de imposto mínima para quem ganha mais de R$ 1 milhão – que é o super-rico, cerca de 250 mil pessoas. O que estaria incluído? Tudo. Você tem o seu salário, que paga 27,5%; tem renda de aluguel, 27,5%; tem renda de LCI e LCA, paga zero; você vendeu ação com lucro e pagou 15%; tem cinco empresas no Simples que pagaram 5%. Você junta um pacote, vê o IR que foi pago em cima de todas as rendas. Deu 7%? Como o mínimo é 10%, na declaração de ajuste, paga a diferença. Não é uma coisa ruim, mas os lobbies empresariais, que geram debêntures de infra, LCI e LCA, quando for comprar aquilo, se tem alíquota muito baixa, no limite acabou a sua isenção. Então, é difícil o governo aprovar. Alguns consultores políticos acham a ideia boa, mas inviável. Vai enfrentar o lobby do agro, da indústria.
Essa compensação resolve?
Stuhlberger: O plano do Haddad é fazer algo equânime, ou seja, não ter exceção. Todo mundo que tem renda acima de R$ 1 milhão junta toda a renda, e quem pagou menos de 10% completa. Se for assim, sem exceções, acho que arrecada uns R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões, o que ajuda. Agora, esse é o plano deles; executar com o Congresso é outra história. Se executar as duas coisas, redução de despesa e mais essa alíquota mínima de 10%, aí até pode subir a isenção do IR a R$ 5 mil sem muito estresse. O Congresso é muito cético em aumento de carga, primeiro porque não quer dar essa moleza para o Lula; segundo, porque eles têm o pé atrás de o governo dizer que vai cortar gastos, e depois não corta.
Fantinatti: Grande dificultador que vejo, pelo lado da arrecadação, é a eleição no ano seguinte. Votar a isenção de IR do ponto de vista político, na boca da eleição, tem baixíssima restrição. Mas a contrapartida, de aumentar o imposto, em ano pré-eleitoral é difícil. Se fosse no primeiro ano de governo, seria outra coisa.
Como veem a transição de comando do Banco Central?
Fantinatti: As entrevistas e discursos de diretores estão sendo bem positivas, com discurso de fato de defender o regime de inflação e fazer o que for possível. Isso está escrito no comunicado (da última reunião do Copom).
O que precisa para o Banco Central ganhar mais confiança?
Fantinatti: O grande problema é o fiscal. Com o BC, do ponto de vista do mercado, a preocupação diminuiu bem. Claro que, ao longo do tempo, os diretores vão ter que entregar. Mas diminuiu bastante, tanto que todo mundo está revendo cenário de juros para cima. Se não, estariam colocando a Selic em 8%. Isso demonstra que ganhou credibilidade do ponto de vista do mercado. Neste momento, o Banco Central deixou bem encaminhado.
As três diretorias que vão ser indicadas são um risco?
Stuhlberger: Não acho que o Banco Central seja um problema; o problema é o fiscal.
Fantinatti: Já está garantido que vai ser feito um trabalho de levar a inflação para a meta. O Banco Central vai fazer o trabalho.
Então não é cenário Tombini…
Stuhlberger: Não. Eu acho que o Lula tem esse medo, que a Dilma não tinha (de ter um BC leniente com a inflação). O Lula tem dois medos: ministro da Fazenda e Banco Central.
Qual a avaliação de vocês sobre a reforma tributária?
Fantinatti: É uma simplificação grande, mas tem uma transição de dez anos. Ao longo deste tempo, teremos dois sistemas e pode ficar mais complexo. Ao final do processo, vai ser muito bom; falta ver como vai ser a transição.
Que mundo teremos com a eleição de Donald Trump nos EUA? Os economistas criticam as ideias dele, mas a bolsa subiu no dia seguinte.
Stuhlberger: O mundo se preparou para o Trump, achando que os juros dos títulos americanos iriam para 5%, mas não foram. A minha opinião é que vai ser melhor do que a gente imagina. Ele já foi presidente, vai executar algum aumento de tarifas, talvez vá começar com a China, e vai dar um tempo para negociar com Europa, para não gerar duas inflações consecutivas. E acho que esse trabalho de reduzir o tamanho do Estado com a equipe do Elon Musk pode ser muito interessante. Dito isso, é dólar forte e juros altos, mas acho que o mercado já antecipou – o pior momento foi dia anterior à eleição. Ele não é um líder bom para o mundo, mas é um líder forte, enquanto os democratas são fracos. Trump é um cara tipo Alexandre de Moraes (ministro do STF): sou “cachorro louco”, então tenha medo de mim. Estou mais animado; e isso, no limite, é bom para as eleições brasileiras em 2026. Achei melhor essa mudança do mundo, de sair da esquerda.
Isso pode levar o PT mais para a esquerda ou para o centro?
Stuhlberger: Essa é a grande interrogação. No limite, afora tudo que o Lula pensa, tem outra, que é: “espelho, espelho meu, dado que o PT foi trucidado nas eleições municipais, se eu gastar menos, o que vai acontecer?”
Fantinatti: Por isso a decisão é difícil e atrasam o pacote.
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