Entrevistas

‘Diagnóstico é maior desafio de política pública’, diz Marcos Mendes

Novo livro organizado por Marcos Mendes apresenta programas bem-sucedidos do Brasil

Valor

O principal desafio para boas políticas públicas está já no seu ponto de partida: realizar o diagnóstico correto do problema a ser enfrentado. Isso é especialmente verdadeiro em um país como o Brasil, onde mexer em políticas mesmo quando elas se mostram ineficazes é politicamente difícil, como fica claro no esforço mais recente do governo para cortar gastos. O alerta é de Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper e organizador do livro “Políticas públicas bem-sucedidas: lições para promover o bem comum” (ed. Jandaíra, 2024), a ser lançado hoje.

“Um denominador comum das políticas no livro é a preocupação com o diagnóstico, dar um passo de cada vez”, diz Mendes. “O diagnóstico apressado, olhar sintoma e confundir com causa, querer atuar sobre o sintoma de forma apressada, com baixo teor analítico, sempre leva a maus resultados.”

O livro surgiu da provocação para mostrar a outra face da moeda de uma obra que Mendes organizou em 2022: “Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil”. Em 11 capítulos, o novo livro aborda políticas no campo da educação, segurança, saúde, meio ambiente, finanças, entre outros, analisadas por especialistas das respectivas áreas.

Mundo político cria ‘vacas sagradas’ que se tornam intocáveis”

— Marcos Mendes

“A gente tem a tendência no Brasil de achar que o governo tem de entrar em todas as áreas e acabamos não analisando adequadamente o que se quer resolver”, afirma Mendes. No sentido contrário, de um bom diagnóstico, ele cita capítulo do livro sobre a implementação do ensino médio integral (EMI), que partiu de dois indicadores: alta evasão e baixo desempenho nesse estágio escolar.

Feito um bom diagnóstico, é preciso entender suas causas e atuar sobre elas, diz Mendes. Ainda sobre o EMI, afirma, uma marca dessas escolas é a capacidade de selecionar melhores professores, premiá-los ou demiti-los quando necessário, ter uma política de seleção de diretores, ou seja, toda uma preocupação com a estratégia de gestão da escola.

“Quando isso foi bem feito, como no caso de Pernambuco, há sinais de que deu bastante certo. Quando simplesmente aumentaram o tempo das crianças na escola, sem redesenhar o currículo e sem ter esses outros requisitos de organização, parece que o resultado não foi bem esse”, diz Mendes.

Outro exemplo, presente no livro, são as Políticas Público-Privadas (PPPs) em estádios de futebol. “A Bahia fez uma PPP bem desenhada e vai bem, enquanto Pernambuco fez uma mal desenhada e vai muito mal”, afirma Mendes.

Um dos problemas, segundo ele, é que fazer uma boa gestão da política pública parece que “não está muito na cultura brasileira”. “Aqui, se precisa melhorar a educação, a gente coloca metas lá em cima, dá mais dinheiro e acha que ele vai produzir resultado sozinho”, diz Mendes.

Por outro lado, ele destaca que começa a surgir, principalmente nas administrações estaduais, a noção da importância de se fazer “experimentos controlados” antes da implementação da política. É o que aparece no capítulo do livro sobre o uso de câmeras corporais pelas polícias brasileiras. “O Estado de São Paulo fez uma implementação faseada, colocando em novos pelotões. Santa Catarina fez até melhor porque fez sorteio, decidindo de forma aleatória quem usaria ou não a câmera e, com isso, você consegue medir melhor os resultados”, diz Mendes.

Realizar esse tipo de “teste” requer, porém, assessoria. “Imagina chegar a uma organização de polícia militar e ensinar aos dirigentes técnicas de avaliação de políticas públicas. É uma coisa muito longe da formação tradicional deles. Então, precisa ter um esforço e uma colaboração entre centros de pesquisa e a administração”, afirma.

Nesse sentido de colaboração, diz Mendes, o federalismo brasileiro, que tantas vezes é problemático, pode trazer resultados favoráveis. “Várias das experiências do livro são no plano estadual. São diferentes governos tentando diferentes alternativas, algumas dão certo, outras não; as que dão certo podem ser replicadas, outras podem ser abandonadas”, afirma.

Ampliando esse escopo, Mendes diz que boas políticas públicas também estão em conexão com os avanços teóricos e práticos ao redor do mundo, mas sem perder de vista as particularidades de contextos locais.

“Um dos capítulos do livro mostra que a Receita Federal usou três métodos consagrados de comunicação, a partir de teorias da economia comportamental, para estimular a quitação de tributos. Dois deram errado e um deu certo. Um ‘policymaker’ descuidado falaria que os métodos dariam certo em qualquer lugar, mas o pessoal testou e escolheu ficar só com a melhor estratégia, reduzindo custos e aumentando a efetividade”, conta.

Outro exemplo, também analisado no livro, é o do Cadastro Único (CadÚnico). “Toda a literatura internacional apontava na direção de fazer algo hiper controlado. O Brasil optou pela entrada via padrão declaratório, ou seja, a pessoa declara sua renda. Assim, você consegue reduzir o custo de entrada e, com mecanismos de controle paralelos e cruzamento de dados, pode reduzir fraudes e erros”, diz.

Ele pondera que isso funcionou por um tempo, até o aumento do valor do Bolsa Família em 2022 estimular a fragmentação artificial das famílias no CadÚnico. “As políticas podem regredir. Essa é outra lição do livro: boas políticas não são garantia de sucesso para sempre. A política tem de ir aprendendo com a prática, se renovando e não deixar a peteca cair”, afirma Mendes, acrescentando que isso também vale para o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), lançado em 2004 e tema de outro capítulo do livro.

O livro surge em um momento em que o governo discute uma série de medidas para controlar gastos públicos, o que passa por mexer em políticas em curso. Para Mendes, no entanto, muitas vezes o “mundo político” cria “vacas sagradas”, políticas que são “intocáveis”, independentemente de haver avaliação negativa.

É também porque, no Brasil, uma vez criada uma política, é muito difícil acabar com ela, que Mendes retorna a seu argumento inicial. “Antes de criar uma política pública, que se faça um diagnóstico bem feito, uma análise do problema, dos diferentes caminhos a serem tomados, porque, se tentar uma rota equivocada, para voltar atrás, vai ser muito difícil”, afirma.

Ao mesmo tempo, diz Mendes, boas políticas têm de ser suficientemente fortes para resistir a mudanças de governo. “Precisa ter estabilidade institucional. Até porque muitas políticas dependem de tempo, experiência e aprendizado”, afirma, citando como exemplo a Agenda BC#, uma pauta de trabalho centrada na evolução tecnológica do sistema financeiro que inclui o Pix, outro caso de política bem-sucedida do livro.

Link da publicação: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2024/11/27/diagnostico-e-maior-desafio-de-politica-publica-diz-marcos-mendes.ghtml

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