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Desde o governo Dilma, o Brasil tem seguido uma trajetória fiscal insustentável. O que começou como uma dívida pública de 59,2% do PIB no final do governo Lula se transformou em uma escalada contínua, com exceção do período do governo Bolsonaro, quando a relação dívida/PIB caiu ligeiramente, de 74% para 71,8%. Porém, nos últimos dois anos, a trajetória voltou a se deteriorar: atualmente, a dívida bruta alcança 78,3% do PIB.
Embora essa dinâmica seja preocupante, um detalhe tem mitigado riscos mais severos: o Brasil, até o momento, se financia principalmente por meio de investidores domésticos. Essa característica reduz a exposição a crises externas e alivia o risco de rolagem da dívida. No entanto, isso não significa que estamos imunes. O custo de manter essa dívida é extremamente alto. O país paga, hoje, inflação mais 6,8% ao ano em títulos públicos de longo prazo – uma taxa significativamente acima do que países considerados bons pagadores oferecem.
Por que a dívida não para de crescer?
A resposta está, em grande parte, na visão ideológica predominante nos governos petistas. Frases como “déficit é vida” ou “gasto é investimento”, frequentemente repetidas pelo presidente Lula, ilustram uma abordagem que vê a expansão fiscal como motor de crescimento, ignorando os custos de longo prazo. Essa visão pressupõe que um Estado mais ativo e gastador impulsiona a economia e reduz desigualdades, mas negligencia o peso que isso coloca sobre o conjunto da sociedade.
Esse pensamento, porém, ignora um ponto crucial: o custo dessa abordagem. Quando a dívida pública cresce continuamente, sem um plano claro de estabilização, o país paga o preço em menor crescimento econômico, inflação persistente, juros elevados e, por fim, maior dificuldade para a população mais vulnerável. O efeito líquido é o oposto do que se propõe: ao invés de impulsionar o progresso, ficamos presos a um ciclo de mediocridade, sem conseguir crescer de forma significativa e resgatar a dívida social histórica que carregamos.
Para piorar, a estagnação econômica se reflete diretamente na renda per capita. O Brasil está praticamente estacionado nesse indicador há décadas, enquanto outras economias emergentes avançaram consideravelmente. Sem reformas estruturais e uma política fiscal responsável, continuaremos a assistir à deterioração desse cenário, comprometendo o futuro das próximas gerações.
A sombra da dominância fiscal
Caso essa trajetória não seja revertida, o Brasil corre o sério risco de entrar em um regime de dominância fiscal. Em termos simples, dominância fiscal ocorre quando o governo perde o controle sobre sua política monetária porque os mercados deixam de confiar na capacidade de estabilizar a dívida pública. Isso gera um ciclo vicioso de inflação, juros altos e endividamento crescente, levando a crises severas com impacto direto sobre renda, empregos e crescimento.
É preciso agir antes que cheguemos a esse ponto de ruptura. O momento da verdade está cada vez mais próximo. O novo ciclo eleitoral de 2026/27 provavelmente trará a sustentabilidade fiscal para o centro do debate político. A grande questão será: o Brasil enfrentará seu problema fiscal ou continuará adiando decisões difíceis, deslizando para o caos?
A dimensão do ajuste fiscal
Independentemente do regime fiscal adotado – seja o atual Arcabouço Fiscal ou outra regra no futuro -, o ajuste necessário para estabilizar a dívida pública é da ordem de R$ 250 bilhões, ou aproximadamente 2,5% do PIB. Isso exige a transformação de déficits crônicos em superávits primários consistentes, superiores a 2% do PIB.
O impacto de um ajuste dessa magnitude seria significativo. Ao demonstrar compromisso com a sustentabilidade fiscal, o Brasil poderia reduzir substancialmente o custo de sua dívida. As taxas de juros reais, atualmente em 6,8% ao ano para títulos de longo prazo, poderiam cair para algo entre 3,5% e 4% ao ano. Essa redução aliviaria o orçamento público e criaria espaço para investimentos produtivos, estabilizando ou até revertendo a trajetória de crescimento da dívida em relação ao PIB.
O papel do governo e o risco de cinismo
Para alcançar esse ajuste, o governo precisa adotar uma postura de maior seriedade fiscal. A recente criação do Arcabouço Fiscal trouxe expectativas de maior previsibilidade, mas sua eficácia está diretamente ligada à disposição política de cumpri-lo. Flexibilizações constantes, como a retirada de R$ 40 bilhões do cálculo da meta fiscal ou a ampliação de gastos com programas sociais sem contrapartidas claras, apenas reforçam a percepção de que as regras podem ser ajustadas conforme conveniências políticas.
Essa postura, que trata déficits elevados como “vitórias” e relativiza os alertas do mercado, beira o cinismo. Quando o governo celebra uma projeção de déficit de R$ 68 bilhões como resultado positivo, ignora os custos reais dessa escolha: inflação, juros e estagnação econômica. É como afirmar que “tudo está bem” enquanto a casa pega fogo.
Sustentabilidade fiscal como condição para o progresso
O debate sobre sustentabilidade fiscal não é apenas técnico; é moral e político. O Brasil precisa escolher entre continuar preso a uma trajetória de endividamento insustentável ou tomar decisões duras para ajustar suas contas públicas. Isso envolve não apenas conter despesas, mas também melhorar a eficiência dos gastos e priorizar investimentos que realmente impulsionem o crescimento de longo prazo.
A transição não será fácil. Um ajuste fiscal da ordem de 2,5% do PIB exigirá medidas impopulares, como revisão de benefícios tributários, desindexação de despesas obrigatórias e maior controle sobre programas de transferência de renda. No entanto, o custo da inação é muito maior. Sem reformas, o Brasil enfrentará crises cíclicas cada vez mais intensas, comprometendo sua capacidade de crescer e atender às demandas de sua população.
Conclusão: uma escolha inevitável
O Brasil está em uma encruzilhada. De um lado, temos a possibilidade de adotar uma política fiscal responsável, que estabilize a dívida e reduza os custos de financiamento. Do outro, o caminho do adiamento e da acomodação, que nos empurrará para crises cada vez mais severas. A sustentabilidade fiscal não é uma escolha ideológica, mas uma necessidade prática. Sem ela, não haverá recursos para investimentos em infraestrutura, saúde, educação e outras áreas essenciais. E, sem crescimento econômico, o país continuará preso ao círculo vicioso da mediocridade, incapaz de oferecer um futuro melhor para seus cidadãos.
O momento de agir é agora. O próximo ciclo eleitoral pode ser a oportunidade de iniciar essa mudança – ou o ponto de não retorno em direção à dominância fiscal. O Brasil precisa escolher entre enfrentar seus desafios ou ceder ao caos. A escolha é nossa, mas o tempo está se esgotando.
*Este artigo tem a co-autoria de Italo Faviano, economista da Buysidebrasil
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.