Folha
Na terça-feira (3) soubemos o desempenho da economia no terceiro trimestre de 2024. O PIB (Produto Interno Bruto) cresceu 0,9% ante o segundo trimestre e 4% em relação ao mesmo trimestre de 2023.
Há uma grande reclamação do governo, e agora de diversos jornalistas, de que há, por parte do mercado, um certo preconceito contra um governo de centro-esquerda. O preconceito justificaria a reação tão negativa dos preços ao anúncio do pacote fiscal.
A dificuldade que as pessoas do governo e alguns jornalistas têm é de separar a foto da economia, que está boa, do filme, que é ruim. O mercado projeta o filme.
É fato que a taxa de desemprego se encontra nas mínimas históricas. Também é fato que o mercado de trabalho apertado tem gerado ganhos dos salários acima da inflação. Finalmente, é fato que o crescimento de 2024, que deve fechar em 3,5%, surpreendeu muito para maior.
O problema é a sustentabilidade. Há o questionamento à trajetória da dívida pública, que se elevará em 14 pontos percentuais do PIB no quadriênio de Lula 3.
No entanto, o equilíbrio de fluxos entre oferta e demanda agregadas da economia também preocupa. Não se trata somente do endividamento.
O crescimento tem sido altamente desequilibrado. Se é verdade que a economia avançou 4% ante o mesmo período do ano passado, a demanda interna cresceu 5,7%.
As exportações cresceram 2,1%, enquanto as importações subiram 17,7%! No acumulado de janeiro a novembro de 2024 ante o mesmo período de 2023, a quantidade de bens e serviços importados cresceu 18,1%.
A inflação de serviços subjacentes —indicador de inflação criado pelo BC que acompanha de perto o ciclo econômico— terminará o ano a 5,7%. No ano passado, fechou a 4,8%.
Em uma economia que opera além de sua capacidade produtiva, dois fatos ocorrem: parte do crescimento vaza para o exterior, na forma de exportações líquidas em queda; e a pressão de demanda sobre os recursos não transacionáveis internacionalmente acelera a inflação de serviços.
Quando a economia se encontra a pleno emprego, as contas públicas precisam ser superavitárias, não apresentar um déficit primário total, isto é, que inclui pagamentos de precatórios e gastos excepcionais com o Rio Grande do Sul, de R$ 70 bilhões, como ocorrerá em 2024.
Para piorar, os salários reais crescem a 5% em 2024 sobre 2023, um aumento incompatível com a evolução da produtividade do trabalho, que tem rodado praticamente a zero, segundo o observatório da produtividade Regis Bonelli, do FGV Ibre.
Vale lembrar que, em 2014, logo antes do agravamento da grande crise brasileira, os números do mercado de trabalho estavam bastante bons. Às vezes, uma grande bonança antecede uma tormenta.
A política monetária tem estado apertada há mais de dois anos. Em razão da dinâmica inflacionária, o ciclo de aperto monetário se alongará por mais um bom tempo. A situação financeira das empresas e das famílias deve ser hoje bem pior do que há dois anos. Quando a maré virar, o custo pode ser maior do que enxergamos hoje.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2024/12/foto-melhor-que-o-filme.shtml
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