Entrevistas

Para Meirelles, pacote evidencia fraqueza de Haddad; Mantega diz que mercado queria carnificina

Ex-ministros da Fazenda avaliam para a Folha o pacote de cortes de gastos do governo Lula

Folha

Guido Mantega e Henrique Meirelles. Os dois ex-integrantes do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ex-ministros da Fazenda avaliam para a Folha o pacote de ajuste fiscal lançado pelo governo para limitar o crescimento das despesas.

Mantega, ministro da Fazenda entre 2006 e 2015, diz que as medidas cumpriram a finalidade de adequar as contas públicas ao arcabouço fiscal. Ele rejeita as críticas do mercado financeiro ao pacote, critica a alta do dólar e diz que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, contingenciará despesas, se as medidas forem insuficientes.

Já Meirelles, ex-presidente do Banco Central nos dois primeiros mandatos de Lula e ministro da Fazenda do governo Michel Temer, avalia que ficou claro que o pacote é insuficiente, e Haddad terá que propor ao presidente da República medidas complementares no futuro. “Se vai conseguir ou não, é outra história”, afirma.

Após o anúncio do pacote, a Folha procurou todos os ministros da Fazenda desde o governo Fernando Henrique Cardoso, em 1995. Pedro Malan, Joaquim Levy, Nelson Barbosa e Paulo Guedes (da Economia) não quiseram falar. Antônio Palocci não foi localizado pela reportagem.

HENRIQUE MEIRELLES

envio do pacote de contenção de gastos com um impacto aquém do esperado “evidenciou uma certa fraqueza” do ministro Fernando Haddad, avalia Henrique Meirelles.

Ele afirma, porém, que o episódio de fragilidade não é suficiente para abalar a posição de Haddad dentro do governo, uma vez que o chefe da equipe econômica detém a confiança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e é cotado para sucedê-lo no posto nas eleições de 2026 ou 2030.

“O ministro Haddad, de um lado, evidencia uma certa fraqueza no sentido de não ter conseguido, possivelmente, aprovar [o envio de] tudo o que era necessário. Por outro lado, ele é um ministro forte do governo. Ele é muito ligado ao Lula, que o colocou como candidato a presidente da República em 2018, quando ele, Lula, não pôde ser candidato. Ele foi candidato do PT ao governo de São Paulo em 2022. É um potencial candidato a sucessor do Lula, seja em 2026, seja em 2030. Mas o fato é que, nesse caso específico, realmente ele teve dificuldade”, diz Meirelles.

Na avaliação do ex-ministro, o pacote apresentado é tímido e insuficiente para estabilizar a trajetória da dívida pública, que já vinha crescendo e pode piorar diante da reação negativa do mercado financeiro —com impacto nas taxas de juros cobradas para financiar o governo.

“Não é algo que vai afetar o país este ano ou no próximo, inclusive porque o país está crescendo. O problema maior é a sustentabilidade da dívida num prazo maior”, alerta.

Na visão do ex-ministro, houve três problemas principais. O primeiro foi a sensação de desconforto com os sucessivos adiamentos do anúncio. “Isso começou a dar impressão de dificuldade do ministro de fazer o que era necessário”, afirma.

O segundo diz respeito ao tamanho do corte, menor que o esperado pelo mercado.

O terceiro problema foi a decisão de Lula de anunciar, junto com a contenção de gastos, uma reforma no Imposto de Renda para isentar quem ganha até R$ 5.000.

Segundo ele, não há garantia de que o imposto mínimo sobre os super-ricos, indicado como fonte de compensação, vá render a arrecadação necessária para repor as receitas perdidas com a isenção. “[A medida] Incentiva a migração do país de alguns investimentos, de empreendedores. O imposto não é uma coisa neutra. Ele tem influência real sobre o funcionamento da economia”, afirma.

Criador do teto de gastos que vigorou entre 2016 e 2022, Meirelles diz que é positivo que o país tenha mantido o princípio de limitar o crescimento das despesas, ainda que sob critérios mais flexíveis. No entanto, ele afirma que faltou ao governo apresentar um pacote com “números maiores” para assegurar a sustentabilidade do arcabouço fiscal.

Meirelles, diz que, embora o país esteja crescendo e a trajetória da dívida não seja um fator de preocupação no curto prazo, os investidores e agentes do mercado antecipam expectativas para o futuro e refletem isso nos preços dos ativos.

“Não adianta ficar julgando o mercado, achando que o mercado deveria ser diferente. O mercado não é um partido político”, acrescenta.

GUIDO MANTEGA

A não ser que o governo fizesse uma “carnificina” com cortes em gastos de saúde, educação e desvinculasse os benefícios da Previdência do salário mínimo, o mercado financeiro não aprovaria as medidas, avalia o ex-ministro Guido Mantega.

“O mercado sempre vai achar que é insuficiente porque essa é uma tática. Por quê? É uma maneira de o mercado manter o governo nas cordas”, diz.

“Imaginemos que o Ministério da Fazenda foi otimista e não consiga economizar esses R$ 30 bilhões [em 2025], ele vai cortar, fazer um contingenciamento, e cumprirá a meta. A mesma coisa vai acontecer em 2026″, prevê.

Na sua avaliação, a principal medida do pacote foi a mudança na política de valorização do salário mínimo.

“O mercado queria desindexar e isso não ocorreu. O presidente Lula não pode ficar só fazendo os caprichos do mercado, porque, na verdade, o que aumenta a dívida pública são os juros [altos]”, diz.

Para Mantega, a cotação do dólar está “totalmente fora do lugar”, porque tem havido um movimento especulativo no câmbio. “Houve muita conversa dizendo que as contas públicas estão desequilibradas, que há irresponsabilidade fiscal, o que não existe”, afirma.

Ele diz que a desvalorização do real é a pior coisa para a economia. “Para começar aumenta a inflação. Depois tem que subir taxa de juros”, diz.

Mantega considera que a valorização do dólar tem um forte efeito especulativo, num cenário que a economia brasileira está “indo muito bem”. Ele critica o Banco Central por não atuar no câmbio.

“Está fazendo numa escala muito pequena. Essa deveria ser a primeira coisa a fazer: olha não estamos deixando a coisa correr solta, queremos que haja um câmbio de equilíbrio que não é esse que está ai”. Ele defende que o governo tome outras medidas para coibir o movimento de alta do dólar.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2024/12/para-meirelles-pacote-evidencia-fraqueza-de-haddad-mantega-diz-que-mercado-queria-carnificina.shtml

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