Para ex-presidente do BC, alta da moeda reflete a dificuldade que o pacote de gastos enfrenta no Congresso e quem “se arriscar até onde vai o câmbio pode errar”
Globo
Ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central, o consultor Henrique Meirelles avalia que o real não está sob “ataque especulativo” — situação em que investidores avaliam que uma moeda, no caso o real, está vulnerável ou fragilizada e abandonam suas posições vendendo intensivamente a divisa, criando um efeito manada.
Segundo ele, a alta do dólar reflete a dificuldade que o pacote de gastos enfrenta no Congresso, com risco de ser aprovado parcialmente, ou de nem ser aprovado. A moeda renovou seu recorde ontem, fechando a R$ 6,26.
O dólar renovando máximas consecutivas configura um ataque especulativo contra o real?
Não é um ataque especulativo. A questão não é essa. Se investidores internacionais e domésticos acreditam que o país não vai ter problema à frente, compram ativos brasileiros, entram mais dólares, e o câmbio cai.
Neste momento, os investidores estão preocupados com a questão fiscal. É a dificuldade que o pacote de corte de gastos está enfrentando no Congresso, com risco de ser aprovado parcialmente ou nem ser aprovado.
Mas esse patamar do câmbio não está exagerado em relação aos fundamentos da economia brasileira?
A taxa de câmbio é flutuante. Então, qualquer previsão sobre o patamar do dólar, do euro, do yuan não é previsível. Aqueles que se arriscam a dizer até onde o câmbio vai podem errar. A taxa de câmbio não é determinada por analistas que dizem que determinado patamar é bom para a economia brasileira.
A economia brasileira está crescendo, mas a questão fiscal traz preocupação. Então, a taxa do dólar reflete a entrada e saída da moeda no país.
O senhor avalia que o Banco Central deve continuar fazendo intervenções?
A intervenção visa corrigir ou compensar essa variação de fluxo. Felizmente o BC tem volume de reservas suficiente para manter o mercado de câmbio funcionando e tem agido corretamente.
O que mais pode ser feito neste cenário?
É preciso aprovar o pacote de corte de gastos no Congresso. Não é um julgamento do mercado. Os gestores têm a responsabilidade de gerar o maior retorno possível nas aplicações. No momento em que há preocupações, os recursos não entram na mesma velocidade que saem, e o dólar sobe.
O mercado de juros também está disfuncional?
As taxas de juros estão elevadas pela mesma razão (fiscal), por isso o Tesouro resolveu não pressionar mais (o leilão de títulos desta semana foi cancelado). Se o investidor estrangeiro decide levar o dinheiro de volta para Nova York, Londres, ele vende o título do governo. E depois remete os recursos, e a taxa de câmbio também reflete isso.
Quando esse investidor vende os títulos, pode faltar compradores, e o mercado pode travar. Então, cabe ao Tesouro não deixar o mercado disfuncional.
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.