Para CEO e CIO da Verde Asset, dólar na casa dos R$ 6,10 parece ‘assimetricamente barato’
Valor
Aos preços que os ativos brasileiros atingiram de 2024 até aqui, tudo no Brasil é uma oportunidade enorme. O problema é o quanto vai piorar antes de melhorar, na longa espera até as eleições de 2026, segundo Luis Stuhlberger, executivo-chefe e de investimentos (CEO e CIO) da Verde Asset Management, à frente do multimercado Verde, um dos mais tradicionais do mercado brasileiro. Com histórico desde 1997, o fundo tem retorno acumulado de 27.423%, ante 3.317% do CDI. Em 2024, emplacou mais um ano acima do referencial, com parte do risco em posições pessimista com o Brasil.
Numa economia com gastos primários equivalentes a 38% do PIB e o maior juro real do mundo, os 15% que o mercado estima para a Selic, ante os 12,25% atuais, podem ser insuficientes se configurar um quadro de dominância fiscal. O que livra o Brasil dessa situação é o crescimento do PIB, diz.
Sem enxergar uma saída para melhorar a trajetória da dívida pública, o dólar na casa dos R$ 6,00 parece “assimetricamente barato”, diz o gestor. Está hoje cerca de 8% acima do que a Verde calcula como valor justo para a moeda brasileira, entre R$ 5,60 e R$ 5,70, considerando-se os termos de troca No governo da ex-presidente Dilma Rousseff, quando o país lidou com uma recessão, ele lembra que a moeda brasileira se descolou 25%. Ou seja, se repetir a mesma dinâmica, significaria um dólar a R$ 7.
“Eu não vejo muito mais que tenha que ceder”, afirma o gestor ao receber o Valor nesta semana na sede da Verde, em São Paulo.
Stuhlberger alerta que se desfazer de parte das reservas, como o Banco Central (BC) fez no fim do ano para dar liquidez à demanda sazonal foi uma boa estratégia, “mas se a política for de vender muito mais reservas, quanto mais vende, mais o mercado vai querer comprar”. Tornar isso uma prática fragilizaria o setor externo.
Tem as maluquices que o Trump fala todo dia, que não dá nem para levar a sério, como anexar a Groenlândia ou o Canadá”
Entre os desafios para 2025, ele aponta uma “deterioração institucional” no que entende da forma de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva “governar junto com o Judiciário”. A raiz dessa avaliação está no confronto do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), exigindo transparência do Legislativo para liberar emendas parlamentares.
“Todo mundo que quis governar sem o centrão acabou em impeachment, que é o caso da Dilma e do [Fernando] Collor, ou o do [Jair] Bolsonaro, que acabou voltando atrás”, diz Stuhlberger. Depois de o governo conseguir aprovar o que queria no Congresso, segurar emendas é quebrar uma regra sagrada. “Isso aqui não vai acabar bem.” Colocando todos os riscos na balança, ele diz que deveria estar mais “short”, apostando na queda dos ativos brasileiros, do que está.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: Na carta anual do Verde, a gestão escreve que os impactos inflacionários da desvalorização cambial serão sentidos ao longo de 2025 e forçarão o BC a levar os juros a níveis considerados esquecidos. Que juros são esses?
Luis Stuhlberger: Eu me referi ao caminho e ao risco de o Brasil entrar num cenário de deterioração das contas públicas, ou seja, o déficit fiscal, quanto a dívida/PIB atinge um determinado valor, o país entra em dominância fiscal, que é aquela situação em que os juros ficam correndo atrás do câmbio, e o câmbio atrás dos juros. Não estou dizendo que isso vai acontecer. É um risco a que estamos sujeitos. A gente tem uma economia em que o governo tem um tamanho enorme, gasta no primário 38% do PIB. E temos o maior juro real do mundo. Essa é a situação de hoje. Por sorte, isso não deve acontecer agora porque o Brasil ainda está crescendo bastante. Uma situação desse tipo, como se viu no governo Dilma, ocorre quando governo continua gastando muito, o juro é alto e o país está em recessão. Esse terceiro ingrediente não tem e possivelmente não vai ocorrer em 2025. É um risco se a dívida subir 4 a 5 pontos do PIB todos os anos.
Valor: O mercado já projeta uma Selic de 15% ao ano, no atual ciclo de alta de juros. Vocês estão com essa cabeça?
Stuhlberger: Por aí. Mas isso aqui não tem a ver com a dominância fiscal. O 15% é o juro que o mercado precifica para tentar colocar a inflação na meta.
Valor: Na carta aos investidores, a Verde também trata das intervenções que o BC fez no fim do ano, mas que se virarem rotina, deterioram as contas do setor externo…
Stuhlberger: O Brasil tinha cerca de US$ 350 bilhões de reservas antes dessas intervenções. E deve estar beirando US$ 320, US$ 325 bilhões hoje. Mas também tem o estoque de swaps, o que leva reservas líquidas de swaps para uma faixa de US$ 230 bilhões. Não acho que dê para ir para muito menos do que isso. Gosto de medir as reservas menos swaps divididas pelo M4 [o agregado monetário que inclui o total de dinheiro em circulação na economia, além da poupança e títulos públicos]. O país já tem reservas menos swaps neste nível há muitos anos. Acho que o pico foi entre 2010 e 2012, atingiu esse valor e desde então se mantém estável, levemente cadente. Mas o M4 nesse período deve ter dobrado de tamanho, com o CDI, o juro alto que o país tem. Chega um momento que vender reservas é bom, mas se a política do Banco Central for de vender muito mais reservas, quanto mais vende, mais o mercado vai querer comprar. Não acho que chegou nesse ponto, porque o que o BC vendeu é um pouco menos do que teve de saída de capital em dezembro. Dezembro é um mês tipicamente ruim.
É difícil ver alguma melhora. Consigo ver uma deterioração institucional na maneira de o presidente Lula governar junto com o Judiciário”
Valor: Mas foi horrível…
Stuhlberger: Então você começa a se perguntar por que com o câmbio aos R$ 6,20, o Brasil teve quase US$ 30 bilhões de saída de capital entre dezembro e janeiro? Parte são as empresas remetendo para pagar dividendos, ou para mandar dinheiro para as matrizes, mas não há ainda um ‘disclaimer’ total de quem mandou e por quê, mas é um número um tanto quanto elevado.
Valor: E a despeito do dólar alto, o investidor brasileiro está fazendo essa internacionalização também?
Stuhlberger: O investidor que mora e que tem seus negócios em mercados emergentes, geralmente a liquidez dele está muito mais fora do país dele. O Brasil, nesse sentido, com tudo que aconteceu, ainda é uma grande exceção. As famílias brasileiras, os seus negócios estão aqui e mantêm as suas reservas financeiras no Brasil. Isso é muito importante, porque se essa confiança é perdida, é mais um fator de saída de dólar. Parte disso é porque o país tem um juro extremamente alto. E se considerar que nos últimos anos as opções de investimento na nossa taxa de juros, que é muito alta, que são isentas de impostos e vêm subindo de uma maneira alarmante… Esse recurso não é o estrangeiro que tem, são as pessoas físicas brasileiras. Esse número, a última vez que eu vi, estava perto de R$ 2 trilhões. É muita coisa.
Valor: E agora num ciclo de alta de juros…
Stuhlberger: Parte significativa disso é indexado aos juros de um dia. Isso é muito tipicamente brasileiro, é muito raro se ver em qualquer lugar do mundo o estoque de riqueza estar indexado a taxa de juros diária, normalmente essa taxa não é remuneratória o suficiente. Claro que nos investimentos isentos houve perdas. Tudo que estava sujeito a ‘duration’ [prazo médio] alta, com a alta da taxa de juros, perdeu dinheiro. O que está em duration de um dia não perde dinheiro. Os isentos estão sujeitos a riscos de execução, de duration, de inadimplência. Se tirar LCI e LCA de grandes bancos, que têm zero de risco, os outros investimentos estão sujeitos a isso.
Valor: Não há oportunidades no Brasil no nível que de prêmio que os ativos têm hoje?
Stuhlberger: Tudo no Brasil é uma oportunidade enorme. O problema é o quanto vai piorar antes de melhorar, na longa espera até as eleições. É difícil ver alguma melhora. Consigo ver uma deterioração institucional nessa maneira de o presidente Lula governar junto com o Judiciário. Quando os três poderes não funcionam autonomamente, isso não é bom. É o que aconteceu no fim do ano com as emendas. Não quero dizer aqui que não existam razões razoáveis para se questionar a maneira como essas emendas do Congresso são gastas. Onde? Para quem? Com que transparência? O problema é que se olhar na história do Brasil, isso eu coloco como uma nuvem negra, todo mundo que quis governar sem o centrão acabou em impeachment, que é o caso da Dilma e do Collor, ou o do Bolsonaro, que acabou voltando atrás. Tem uma coisa que no Congresso é uma regra sagrada. O Congresso votou o que o governo queria. Aí, faltando dez dias para acabar o ano, as emendas, parte delas, não foram pagas. Entre Senado e Câmara dá quase R$ 10 bilhões. Isso aqui não vai acabar bem. No fundo, as emendas são uma disputa de poder entre o PT e o centrão. E quem entrou com esse pedido, que caiu na mão do Flávio Dino, foi o PSOL. O governo Lula disse que não tem nada a ver com isso, que é uma coisa do STF. Mas duvido que acreditem nisso. Acho que há um risco de o governo não conseguir aprovar mais nada. E aí vem o segundo. Se o governo não consegue aprovar essa nova isenção de até R$ 5 mil – não vou nem levar em conta o mérito se é justo ou não, me parece um pleito justo. Mas a contrapartida disso é o aumento de impostos para quem ganha mais de R$ 50 mil. Também não vou entrar no mérito, se no limite é justo ou não ter R$ 2 trilhões de estoque de investimentos isentos. O problema é que, com esse clima, eu não acho que o Congresso aprova isso. Já não seria fácil numa circunstância normal, porque você está mexendo com o lobby do agronegócio, do imobiliário, da indústria, do aluguel, de todas as empresas de energia. Vai mexer também com as companhias abertas. Acredito que o governo vá fazer [a isenção] de qualquer jeito e eventualmente usar alguma outra forma, sei lá, antecipando o recurso do pré-sal, algum outro funding, nem que seja do estilo vender o jantar para pagar o almoço, para conseguir aprovar isso, que é mega relevante para reeleição do Lula. Há uma interrogação grande nisso. Não acredito que se o Congresso não aprovar, o governo vai deixar de fazer. E isso adiciona um risco fiscal de R$ 50 bilhões a R$ 70 bilhões.
Valor: Algum ruído externo?
Stuhlberger: Eu acho que tem esse confronto do Brasil com o governo Trump, que já começa com a Meta, pegando o que o Mark Zuckerberg [diretor executivo da companhia dona do WhatsApp, Instagram e Facebook] falou. Claramente, entre o Brasil e o Trump, a Meta preferiu ficar do lado do Trump. E aí a gente vai entrar nessa discussão mais profunda, que já existe na sociedade brasileira, que é qual o nosso conceito de liberdade de expressão. O conceito que o nosso Judiciário tem, o STF, é bem discutível. Do mesmo jeito que o X ficou fechado por um tempo, não dá para imaginar um país em que o Facebook, o Instagram e o WhatsApp não funcionem. Vai prender os diretores dessas empresas e isso fica assim com o governo Trump? Eu levaria essa ameaça mais a sério do que os mercados estão levando. É uma situação em que o Brasil teria algum tipo de retaliação, seja tarifa de importação, que, mesmo sem isso, o Trump já mencionou o Brasil. O país pode sofrer uma retaliação nisso e com certeza faria o dólar se depreciar mais.
Valor: Algo potencialmente positivo no radar?
Stuhlberger: O [Fernando] Haddad [ministro da Fazenda] tem dito que se precisar cortar mais gasto, vai cortar. ‘Enfim, vamos cumprir [o arcabouço] em 2025 como cumprimos em 2024’. Eu, francamente, não compro essa tese. Eu acho que na medida em que o país tenha uma Selic alta, um crescimento diminuindo, não vou dizer que vá ter recessão, mas o crescimento de 2025 vai ser bastante inferior ao de 2024. E isso, com certeza, tira a popularidade do Lula. Inflação mais alta, especialmente de alimentos, tira a popularidade do presidente, em qualquer lugar do mundo. Então, assim, se eu levar em conta tudo isso, eu devia estar mais ‘short’ [vendido em Brasil] do que estou, entendeu?
Valor: O governo de Donald Trump, nos EUA, a forma de desregulamentação que está propondo, não pode ser um risco também?
Stuhlberger: Isso é um risco. Basicamente, as questões de tarifas e migração são as que estão na mesa há meses. Acho que a questão é a intensidade disso, as consequências na queda no PIB mundial, no enfraquecimento da China, que já é uma economia que está quase em deflação e crescendo bem menos. Tem o lado positivo de ter um governo forte, que seria acabar com a guerra da Rússia e Ucrânia, conseguir algum tipo de paz temporária no Oriente Médio. Enfim, tem o lado bom de ter um presidente forte e tem as maluquices que o Trump fala todo dia, que não dá nem para levar a sério, como anexar a Groenlândia ou o Canadá. A gente sabe que não vão acontecer, mas tem que estar acostumado a um governo que vai gerar ruído permanentemente.
Valor: Há algum risco de quebra institucional por conta de um governo mais autoritário nos EUA?
Stuhlberger: Não vejo dessa forma. O Trump já aprendeu da outra vez que muita coisa demorou. O que ele vai querer fazer, vai fazer mais rápido do que no outro governo dele. Mas, de qualquer forma, isso no geral não é bom para o Brasil. E aí vai ter este governo, o nosso Judiciário e o governo Lula se sentindo ameaçados eleitoralmente por conta desse quadro.
Valor: Qual é o cenário de estresse com essa combinação toda?
Stuhlberger: Não gosto de fazer conta de cenário de estresse. Gosto de olhar onde o mercado está, se o ‘outcome’ de cenários parece relativamente neutro perante algum positivo ou negativo. O dólar/real, quando eu fiz a primeira compra, a R$ 5,15, estava assimetricamente errado. Eu olho o dólar a R$ 6,10, contra um ‘fair value’ do nosso modelo entre R$ 5,60 e R$ 5,70. Dado o nosso fiscal, ele ainda parece assimetricamente barato, enquanto o juro, acho que andou muito.
Valor: Com esse fiscal, o dólar poderia estar a quanto?
Stuhlberger: Num cenário que tenha isso com uma recessão, que não é o caso agora, que foi um cenário Dilma – mesmo lembrando que na época a dívida PIB era pouco mais de 60% hoje está em 85% -, o dólar/real na época chegou a ser negociado a 25% acima do ‘fair value’. Hoje ele está perto de 8% acima. Eu não vejo muito mais que tenha que ceder. Tem que pegar todas as métricas de ‘valuation’ de fair value, de outras moedas e o diferencial de juros e o CDS [o risco país], além do preço das commodities, que no caso do Brasil é muito relevante. Mas se todo mundo acha isso e sabe fazer conta, por que as pessoas não compram mais dólar? Porque você tem o ‘carry’ negativo. Tudo que o gestor, o mercado tem que apostar contra um carry negativo, ele não gosta. Porque se você compra dólar, tem que pagar a diferença do juro brasileiro menos o americano. Custa caro.
Valor: E o investidor estrangeiro não se atrai por esse carry?
Stuhlberger: Ele se atrai. Ele sempre se atraiu. Mas ele não está entrando por falta de confiança no Brasil. Normalmente, ele deveria se atrair para isso, o ‘hedge fund’ estrangeiro, ele deveria se atrair para comprar a bolsa brasileira porque ela está barata. No entanto, o que aconteceu em 2024? A nossa bolsa foi a pior do mundo, a nossa e a mexicana em dólar. O EWZ e a bolsa do México foram as duas piores do mundo. E o investidor estrangeiro tirou R$ 30 bilhões daqui, não é um ‘big money’, mas normalmente, todos os anos o investidor estrangeiro entra com dinheiro e sabe comprar quando está barato. Ele vai no inverso do ‘oba-oba’ do brasileiro.
Link da publicação: https://valor.globo.com/financas/noticia/2025/01/17/brasil-tem-oportunidade-mas-deve-piorar-antes-de-melhorar-diz-stuhlberger.ghtml
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