Entrevistas

‘Instabilidade gerada pela política econômica prejudica inovação’, diz Samuel Pessôa

Economista aponta que estagnação da produtividade do trabalho é resultado de um ambiente de negócios burocrático e avesso ao desenvolvimento de novas ideias

Estadão/Broadcast

Brasil tem uma tendência a repetir erros e um deles está na dificuldade em estimular as empresas privadas a investirem em inovação, segundo o economista Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). Para ele, a instabilidade econômica é um dos principais motivos pelos quais os investimentos têm caído. Gastos privados em pesquisa e desenvolvimento realizados dentro das empresas estão em queda há pelo menos 20 anos.

O problema, afirma o economista, é complexo e exige uma agenda de longo prazo, o que não tem ocorrido no País há pelo menos 45 anos. “O gasto público em inovação no Brasil não é pequeno nem grande. Está em linha com a média internacional”, diz o economista. “O que é muito ruim é que o setor privado inova muito pouco. Se isso acontece é porque o setor privado não vê retorno na atividade inovadora para a própria empresa.” A seguir, trechos da entrevista ao Estadão/Broadcast:


• No atual cenário de engessamento dos gastos públicos e falta de financiamento privado em tecnologia de ponta, de onde virão os investimentos para inovação?

O investimento tem de vir do setor privado brasileiro. Para que isso aconteça, o setor privado tem de enxergar possibilidades de ganho com o investimento em tecnologia. E não tem enxergado. Em algumas dimensões, nós estamos melhorando bem. A mais auspiciosa é a reforma tributária. Vamos torcer para que consigamos enfrentar e contornar a crise fiscal e construir, em alguns anos, uma estabilidade macroeconômica maior. Agora, com essa instabilidade do câmbio, com essa incerteza, é muito difícil haver inovação. A inovação é um investimento no futuro altamente incerto. Você precisa ter mais estabilidade.


• Qual é a relação entre estabilidade e inovação?

Esse é um ponto muito importante. A política econômica no Brasil gera instabilidade. Em vez de a política econômica só suavizar o ciclo econômico, a política econômica no Brasil agrava o ciclo econômico. Quando a economia vai bem, aumentamos o gasto. Quando vem a recessão, não conseguimos fazer um gasto contracíclico, porque fazemos o gasto pró-cíclico na subida do ciclo. Se o gasto público é pró-cíclico, o ciclo econômico aqui vai ter uma amplitude maior. E uma amplitude maior de ciclo econômico reduz o crescimento de longo prazo e um dos canais disso é o desestímulo à atividade de inovação. Ou seja, o próprio fato de a economia brasileira ser sujeita a uma variabilidade imensa desestimula a atividade inovadora. E o meu ponto é que as políticas públicas e a forma como a política econômica opera no Brasil agravam essa variabilidade.


• O que o Brasil perde com seu baixo nível de investimento em inovação?

Nós perdemos capacidade de crescimento da economia como um todo. Um dos fatos que explica a baixa produtividade da economia brasileira é justamente o baixo investimento em pesquisa e desenvolvimento por parte das empresas privadas. No longo prazo, o maior efeito é o baixo crescimento da renda e dificuldade em superar o problema da pobreza. Não é o que vai acontecer, é o que já aconteceu. É a situação em que vivemos há quase 45 anos. Tem muita coisa que você aprende fazendo. O esforço de pesquisa e desenvolvimento não é necessário só para aquela empresa que está produzindo chip de última geração, por exemplo. Qualquer atividade, desde que seja inovadora em relação àquele ambiente em que ela está inserida, requer um esforço grande de pesquisa e desenvolvimento. Esse é um elemento importantíssimo para superar o maior problema econômico que o Brasil tem, que é a baixa produtividade do trabalho.


• Por que o nível de investimento em pesquisa e desenvolvimento parece não responder aos estímulos públicos?

Quando falamos que as empresas no setor privado estão inovando pouco é porque, do ponto de vista delas, a atividade inovadora não é entendida como rentável. Elas não estão enxergando possibilidades de ganho a partir de um esforço inovador. As empresas respondem aos incentivos que existem. Elas podem ganhar dinheiro inovando e produzindo uma coisa nova ou contratando contadores e advogados para achar oportunidades de planejamento tributário. Ou ainda ela pode ganhar dinheiro contratando pessoas bem relacionadas em Brasília para tentar persuadir os deputados e os senadores a aprovar legislações que as beneficiem.


• Por que isso ocorre?

Temos uma legislação tributária muito complexa e isso faz com que as empresas tenham um custo de conformidade imenso. Além disso, o nível de litigiosidade induzido pela nossa estrutura tributária é muito grande. Sabemos que as empresas brasileiras gastam muito dinheiro com contadores e com escritórios de advocacia. Nesta seara, temos uma boa notícia, porque aprovamos uma reforma tributária no ano passado. Tudo sugere que a partir de 2032 esse custo de conformidade e o nível de litígio reduzam muito. Talvez isso tenha um impacto positivo sobre a atividade inovadora das empresas.


• Quais são outras mudanças no ambiente de negócios que podem estimular a inovação?

Não tem bala de prata. É uma agenda extensa que requer persistência. O custo no Brasil de processar uma patente é muito alto. Temos de tornar o processo de regularização de uma patente mais expedito e mais barato. Precisamos rever, também, os instrumentos de aproximação da universidade com as empresas para que fiquem mais seguros e para que elas não sofram restrições legais. E precisamos abrir a economia. Tem muita literatura que mostra que em uma economia aberta você estimula as empresas que são mais inovadoras. Você tem uma relação entre abrir a economia, transacionar, se relacionar com o resto do mundo e investir mais em P&D.


• O mundo parece estar caminhando para um fechamento cada vez maior. Como isso impactará esse ambiente de negócios?

A taxa de crescimento da produtividade de todo o mundo vai cair um pouco. O mundo mais fechado prejudica a todos e o Brasil é prejudicado também, mas menos do que os outros países. Historicamente, sobrevivemos bem em momentos em que o mundo se fechava muito. É muito ruim para todo mundo e para nós, mas, relativamente, acho que perdemos menos.


• O Brasil perdeu no passado a chance de aproveitar a revolução tecnológica e aumentar sua produtividade quando do surgimento das novas tecnologias da informação. Vemos agora novas tecnologias disruptivas surgindo. Nós aprendemos a lição do passado?

Temos essa tendência a repetir erros. Vemos o presidente do BNDES (Aloizio Mercadante), ministros e pessoas do primeiro escalão do governo enfatizando muito algumas coisas, como transição energética e setores da indústria farmacêutica que são considerados mais importantes. Lá no passado, nos anos 2000, havia essa ideia de setores portadores de futuro. Há um foco no que fazer. O nosso problema não é o que fazer, mas como. É como construir regras e instituições que façam com que as políticas públicas funcionem. É muito mais de governança, de criar incentivos para que você produza inovação, para que as empresas sejam estimuladas. Você não cria incentivos simplesmente oferecendo empréstimos do BNDES para o cara colocar no bolso o subsídio e ir para casa. Depois de dez anos, você não tem nada. O foco está errado. Há uma ênfase muito grande em qual setor, em quais atividades, e muito pequena no que me parece ser o mais importante, que é a governança da política.


• Você enxerga saídas?

Sempre há uma saída. Daqui a cem anos o Brasil vai existir. Se fizermos tudo certo, daqui a cem anos vai ser melhor. Se nós continuarmos errando, daqui a cem anos vai ser pior. Sempre tem possibilidades de correção de rotas e de mudar o nosso destino. O que temos de perguntar é se estamos aprendendo com as experiências passadas e se estamos implementando políticas distintas.


• Como quais?

Na questão de política industrial, temos o exemplo da indústria naval. Nos últimos 70 anos, nós tentamos três vezes fazer uma indústria naval. Tentamos com Juscelino Kubitschek, depois com o presidente Ernesto Geisel e mais recentemente com o presidente Lula. As três vezes deram errado. E a impressão que tenho é de que, em cada uma delas, não aprendemos com os erros que foram cometidos no momento anterior. E aí, se a sociedade não aprende com os seus próprios erros, nunca vamos sair do lugar.

Link da publicação: https://www.estadao.com.br/economia/instabilidade-gerada-pela-politica-economica-prejudica-inovacao-diz-samuel-pessoa/

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