Artigos

Nem tudo que reluz é ouro

A Constituição de 1988 trata de muitos assuntos, mas o STF não tem de aceitar todas as ações

Estadão

O ministro Barroso publicou neste jornal uma resposta às críticas feitas ao STF e ao CNJ. É um dos maiores constitucionalistas do País, leitura obrigatória.

Costuma dizer que o excesso de casos no STF decorre de uma Constituição prolixa. De fato, a CF 88, promulgada após o longo período de ditadura, trata de muitos assuntos; dos direitos humanos aos contratos que regem serviços públicos. Mas isso não significa que toda ação que chega no Supremo tenha que ser aceita.

Dou um exemplo. A capitalização da Eletrobras é questionada na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7385) impetrada pela AGU. A diferença entre o número de ações em poder da União (43%) e os assentos a que tem direito no conselho, apenas um, é a base da ação. Outras empresas no País seguem o padrão, como Embraer e a própria B3, e não há qualquer vício nesta configuração.

Mesmo assim, o ministro Nunes Marques encaminhou o assunto para ser discutido através de arbitragem conduzida pela Câmara da própria autora da ação. Se, de fato, fosse uma questão constitucional caberia ao STF decidir. A capitalização da Eletrobras foi aprovada por lei, sem vetos do Executivo, deliberada em legítima assembleia de acionistas e está no estatuto da empresa. Foi a pulverização do capital, com diluição do governo, que atraiu investidores e valorizou as ações.

Ainda, segundo Barroso, “o Brasil é o País que ostenta o maior grau de judicialização do mundo, o que revela a confiança que a população tem na Justiça. Do contrário, não recorreria a ela”. Nem tudo que reluz é ouro. Pode também simplesmente refletir uma incerteza sobre as regras contratuais no País.

Por exemplo, as liminares do ex-ministro Lewandowski. Uma paralisou a privatização de subsidiárias de estatais alegando ser necessária uma lei específica para autorizar a venda. Demorou meses para ser cassada, mesmo contrariando a jurisprudência da própria corte, que orienta as desestatizações há décadas. Uma outra suspendeu parte da Lei das Estatais com graves consequências para a gestão das empresas públicas.

A insegurança jurídica, mais as dúvidas sobre a validade de uma licitação, diminuem o preço dos ativos públicos, afetando a necessária Reforma do Estado.

O diálogo entre imprensa e o STF é importante para uma sociedade polarizada e surda para opiniões divergentes.

***

P.S. A incompetência do governo nesta história do Pix me lembrou do jogador Nunes: “Fiz fui, não fui, acabei ‘fondo’”.

Link da publicação: https://www.estadao.com.br/economia/elena-landau/nem-tudo-reluz-ouro/

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Elena Landau