É provável que no fim do ano a China tenha crescimento “em torno de 5%”, com riscos predominantemente assimétricos para baixo
Valor
A China é a segunda economia do mundo, e a principal parceira comercial do Brasil e de diversos países da região. A trajetória da economia chinesa influencia também o comportamento dos preços de certas matérias primas importantes para o país, como o minério de ferro. A rivalidade geopolítica com os EUA não apaga o fato que ambas as economias seguem altamente conectadas (a China responde por cerca de 15% das importações americanas). De certa forma, continua sendo verdade que a principal fonte de demanda na economia mundial é o EUA, ao passo que a principal fonte de oferta é a China.
Visitei a China com colegas do Itaú-Unibanco no final do ano passado, o que ofereceu uma perspectiva particularmente interessante sobre aquela economia. Os policymakers chineses estão lidando com um quadro desafiador, que combina uma delicada transição de modelo de crescimento com um ambiente externo crescentemente complexo.
A transição visa tornar a economia menos dependente da demanda externa, através de estímulos ao consumo doméstico, mais digital e ambientalmente avançada. Visa também reduzir a dependência do setor imobiliário. O grande desafio é implementar essa transição sem permitir uma redução excessiva do ritmo de crescimento no curto prazo. Isso no momento em que a transição presidencial americana implica riscos e incerteza para a economia chinesa.
A atitude das autoridades perante Trump 2.0 é mista. Por um lado, há a preocupação com o pacote de tarifas e outras restrições comerciais. Por outro, o novo presidente americano é percebido como uma liderança não ideológica e essencialmente transacional, o que poderia abrir espaço para negociações construtivas em diversas esferas.
Calibragem do pacote de estímulos deve ser definida quando houver clareza sobre as ações dos EUA no campo tarifário
Para tanto, as autoridades têm indicado que estímulos fiscais, monetários e de crédito, que tiveram início em setembro passado, devem continuar. Isso foi sinalizado no discurso de ano novo do Presidente Xi Jinping, e corroborado em comunicações recentes do banco central e da NDRC (National Development and Reform Commission), a principal instituição de gestão macroeconômica no país. Mas a calibragem do pacote de estímulos deve ser definida após o início da gestão Trump, quando haverá mais clareza sobre as iniciativas do governo americano no campo tarifário. A estratégia deve ficar mais clara no começo de março, quando a meta de crescimento a ser defendida será anunciada. O mais provável é que, assim como em 2023 e 2024, a meta seja estabelecida “em torno de 5%”.
No que tange a estímulos de curto prazo, o governo deve seguir com uma postura incremental e gradualista, até porque a incerteza é elevada, e há certa predisposição em preservar capacidade de ação para poder reagir aos eventos. Um pacote mais amplo e intenso, se for anunciado, deve vir apenas no final do primeiro trimestre. Por ora, a atividade no fim de 2024 foi ajudada pelas medidas adotadas em setembro como distensão monetária, com cortes de juros e redução de depósitos compulsórios e fiscal, com emissão de títulos do governo central, para viabilizar ajuda aos governos locais, que estão em situação financeira bem ruim.
A crise das finanças subnacionais se deve basicamente à depressão do setor imobiliário (vendas de imóveis em 2024 foram em torno de 50% daquelas observadas no auge, em 2021), o que também atinge o setor bancário – recapitalização das instituições mais frágeis também deve acontecer. Nossas contrapartes não mostraram preocupação quanto à possível falta de espaço fiscal: a dívida do governo central é baixa (25% do PIB) e, mais importante, a taxa de juros real usualmente é inferior à taxa de crescimento do produto, o que tende a continuar enquanto o regime de repressão financeira não for abandonado.
A taxa de câmbio pode ser utilizada para ajudar a absorver choques, mas parece haver limite para a flexibilidade tolerada. A sinalização que inferimos da visita foi que haveria uma defesa soft do patamar de RMB 7,30 (que já foi ultrapassado), mas uma atuação muito mais vigorosa na vizinhança de RMB 8 por dólar. O uso do câmbio como amortecedor conflita com o projeto estratégico de internacionalização do RMB.
O debate sobre política econômica parece muito mais aberto do que se imagina no Ocidente. Há discussão de medidas mais estruturais e inovadoras para estimular o crescimento no curto prazo e favorecer a transição. No curto prazo, podemos ter coparticipação famílias-governo para a aquisição de bens de consumo duráveis, ainda que transferências diretas não sejam contempladas – as autoridades chinesas acreditam que isso tende a desestimular a oferta de trabalho e que, dados indicadores de confiança deprimidos, as transferências tenderiam a ser poupadas, e não gastas.
No âmbito estrutural, houve muita discussão sobre o relaxamento progressivo do sistema de registro de residentes (hukou), que impede migrantes (cerca de 400 milhões de pessoas, com estimativas entre 40-50% sem hukou) de comprarem imóveis e terem acesso a serviços públicos. Melhora da rede de proteção social (inclusive para esses migrantes) favoreceria uma redução da poupança e aumento do consumo das famílias.
Levando tudo em consideração, é provável que no fim do ano a China mostre uma taxa de crescimento “em torno de 5%”, mas mediante uma política econômica ativa e com riscos predominantemente assimétricos para baixo.
Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/perspectivas-para-o-g2-china.ghtml
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