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Autópsia do déficit primário de 2024

Déficit sem manobras foi de, pelo menos, 0,9% do PIB

Folha

O governo comemora o déficit primário de 0,1% do PIB em 2024. Aponta forte melhoria em relação ao déficit de 2023 (2,4% do PIB), e o cumprimento da meta do arcabouço fiscal (- 0,25% do PIB).

Porém, o número oficial está longe da realidade, como mostra a tabela.

Em primeiro lugar, precisamos somar as despesas que a lei exclui da conta do déficit (calamidade pública no RS, queimadas, entre outras), que são despesas como qualquer outra.

Por outro lado, temos que tirar da conta o pagamento antecipado de precatórios federais em 2024, para credores do RS, que só seriam pagos em 2025.

Chegamos ao subtotal 1, em que o déficit sobe para 0,3% do PIB.

O segundo ajuste refere-se a despesas de 2024 que foram pagas antecipadamente em 2023, e receitas de 2023 postergadas para 2024. Em 2023 ainda não vigia o arcabouço fiscal. Por isso, o governo piorou o resultado de 2023 para melhorar o de 2024, o que ajudou no cumprimento da meta de 2024 e criou a impressão de uma recuperação mais vigorosa que a realidade.

Não houvesse a manobra, o déficit de 2024 subiria para 0,9% do PIB (subtotal 2).

A suspensão do pagamento de emendas parlamentares pelo STF reduziu a despesa em R$ 4 bilhões. Queda que só será permanente se o STF ganhar definitivamente a disputa com o Congresso. Por ora, não se pode prever essa economia para 2025 em diante.

O quarto ajuste refere-se a várias medidas de aumento de receitas que só tiveram impacto em 2024, e não se repetirão em 2025. Assim como a redução temporária das emendas, elas não refletem mudança permanente no patamar do déficit. Retirando esses valores da conta, o déficit primário recorrente de 2024 seria de 1,7% do PIB (subtotal 3).

Se o Governo quiser repetir essa arrecadação não recorrente em 2025, terá que ir ao Congresso aprovar novas leis ou buscar novos acordos com empresas estatais e privadas.

Destaco a transação tributária na qual a Petrobras aceitou pagar quase R$ 12 bilhões para encerrar um contencioso. Acordo que talvez não saísse se o governo não tivesse influência sobre as decisões da parte devedora.

Chama atenção, também, o alto valor dos dividendos extraordinários pagos pelas estatais, principalmente Petrobras e BNDES.

No caso do BNDES, o governo pode estar dando uma contrapartida. Refiro-me às transferências de recursos de fundos orçamentários ao BNDES (e à Finep), a baixo custo, que representam desembolso permanente do Tesouro (pois o BNDES raramente devolve esses recursos, a menos que seja forçado pelo TCU ou pela justiça).

Esses desembolsos não são registrados como despesa primária mas, ao se tornarem permanentes, têm efeito similar. Na tabela estão registrados como despesas parafiscais (0,3% do PIB).

Com isso, chegamos a um déficit primário total de 2,1% do PIB em 2024.

Mesmo quem acredita que o governo será capaz de obter elevadas receitas não recorrentes todos os anos, e discorda da inclusão de gastos parafiscais no cálculo, concordará que o déficit de 2024, sem manobras, foi de, pelo menos, 0,9% do PIB (Subtotal 2).

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcos-mendes/2025/01/autopsia-do-deficit-primario-de-2024.shtml?utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=compwa

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Sobre o autor

Marcos Mendes