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O incômodo da inflação

Folha

O presidente Lula tem demonstrado incômodo com a inflação, principalmente a inflação de alimentos. De fato, no ano passado a inflação de alimentos fechou em 8,2%, para uma inflação total de 4,8%. Dois fatores principais contribuíram para a inflação de alimentos: a safra, que foi pior do que a de 2022, e, principalmente, o câmbio, que em 2023 desvalorizou-se incríveis 27%. O encarecimento foi principalmente das carnes. A inflação dos diversos cortes de carne bovina foi de aproximadamente 20% em 2024.

Desde a pandemia houve um forte descolamento da inflação de alimentos sobre o índice cheio. A inflação de alimentos acumulada de 2019 até 2025 rodou 29 pontos percentuais acima da inflação total. Foi esse deslocamento que dificultou a reeleição para Biden e derrotou Bolsonaro em 2022.

Para 2024, a safra será melhor, o que contribuirá para reduzir a inflação de alimentos, mas há ainda repasse da desvalorização cambial de 2024 sobre a inflação de alimentos de 2025. Difícil sabermos o resultado líquido.

Mas em 2025 a maior preocupação da inflação não serão os alimentos. Será a inflação de serviços. O mercado de trabalho está muito apertado. No entanto, levou tempo para que o aperto do mercado de trabalho se refletisse na inflação de serviços. O motivo é que no ano passado ainda havia um resto da reversão dos choques de preços da pandemia.

A inflação de serviços era a resultante destas duas forças: aperto do mercado de trabalho, por um lado, e reversão dos choques da pandemia, por outro lado. Em 2025, como já foi o caso no quarto trimestre de 2024, não teremos mais o efeito favorável da reversão de choques da pandemia.

Se olharmos a inflação acumulada em 12 meses de todos os serviços, não parece haver grandes problemas: segundo a prévia da inflação de janeiro de 2025, o IPCA-15, divulgado na sexta-feira (24), temos 5,45%, ante 5,62% para os 12 meses terminados em janeiro de 2024. Para o índice cheio de serviços, a reversão dos choques, em 2024, ainda prevaleceu sobre o impacto do aquecimento do mercado de trabalho.

No entanto, para o núcleo dos serviços que melhor sinaliza a inflação em prazos mais longos, conhecido por serviços subjacentes, temos, respectivamente, 5,95%, nos 12 meses terminados em janeiro de 2025, ante 4,91% para os 12 meses terminados em janeiro de 2024. Quando olhamos os três meses terminados em janeiro de 2025, o índice de serviços subjacentes roda a 8,80%. Nos três meses terminados em janeiro de 2024, rodou a 5,27%. Uma elevação de 3,53 pontos percentuais!

Para os serviços intensivos em trabalho, o IPCA-15 de janeiro de 2025 acumulado em 12 meses fechou a 5,68%, acima dos 5,34% de janeiro de 2024. Mas, para o trimestre terminado em janeiro de 2025, temos 7% em comparação a 5,12% do trimestre terminado em janeiro de 2024.

O mercado de trabalho mais apertado está dando o ar de sua graça. Não será possível estabilizar a inflação sem que o crescimento econômico desacelere e que a taxa de desemprego se eleve em direção à taxa natural, que roda em torno de 7,5%.

Talvez o momento mais desconfortável para um analista econômico seja reconhecer que uma taxa de desemprego muito baixa é um sinal de desequilíbrio e de excesso de demanda sobre a oferta de uma economia.

No entanto, se o presidente Lula tentar neutralizar o efeito da política econômica que produzirá uma desaceleração em 2025, colherá mais desvalorização do câmbio e encarecimento dos alimentos.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2025/01/o-incomodo-da-inflacao.shtml

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Sobre o autor

Samuel Pessôa