Autoridades monetárias, como o Fed, são independentes para proteger a economia, até mesmo do presidente mais poderoso do mundo
Estadão
Tratei aqui algumas vezes de um tema fundamental quando se fala de autoridades monetárias, que é a autonomia operacional. Bancos centrais precisam ser independentes de governos porque sua missão de manter a estabilidade da economia não pode estar sujeita aos interesses imediatos da política. O tempo da política é diferente do tempo da política monetária. É fundamental voltar ao assunto depois da atitude do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que tentou intimidar o Federal Reserve (Fed).
Na semana passada, Trump publicou em uma rede social: “as taxas de juros devem ser reduzidas, o que deve acontecer junto com as iminentes tarifas!”. Era um recado para o Fed, que mantém a taxa básica alta pelos padrões americanos diante da resiliência da inflação. Horas depois, em um testemunho no Congresso, o chairman do Fed, Jerome Powell, disse que não renunciaria por causa de Trump.
O Fed é um paradigma de autoridade monetária independente e Jerome Powell tem mandato até maio de 2026. Portanto, as palavras de Trump sobre política monetária podem fazer barulho, mas não terão efeito prático no momento – mas podem provocar temores quanto ao médio prazo.
Daqui um ano, Trump vai escolher entre reconduzir Powell ou indicar outro chairman. A escolha é fundamental para a saúde da economia americana, como mostra a história. Arthur Burns foi um chairman do Fed que obedecia aos projetos do presidente Richard Nixon; elevava os juros para conter a inflação, mas interrompia o movimento quando o baixo nível de atividade afetava a popularidade do presidente.
O resultado é que, entre 1968 e 1983, a inflação foi de 7,3% ao ano em média, um recorde para os padrões americanos. Só foi debelada com a dura política monetária do sucessor, Paul Volcker, que levou os juros a 20% ao ano, uma enormidade.
Jimmy Carter nomeou Volcker para o Fed sabendo o que ele faria. Enfrentou os efeitos da recessão causada pela política de Volcker. Houve uma inédita passeata contra o Fed na Pensilvania Avenue. Porém, a inflação foi dominada e os Estados Unidos tiveram 20 anos de crescimento com inflação e juros baixos.
A política de Trump de impor tarifas de importação, como no caso do aço, tem potencial de causar inflação. Se isso acontecer, o Fed elevará os juros, o que levará à redução da atividade e do emprego no curto prazo – exatamente o oposto do que ele prometeu em sua campanha ao dizer que ressuscitaria a indústria.
Autoridades monetárias, como o Fed, são independentes para proteger a economia de interesses imediatistas e dos humores políticos, até mesmo do presidente mais poderoso do mundo.
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