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Mais deputados federais?

Tentativa de aumentar número de parlamentares é, ao mesmo tempo, imoral, inconstitucional, ilógica e imprópria

Horácio Lafer Piva, Pedro Passos e Pedro Wongtschowski

Globo

Não têm sido positivas as reações às proposições do deputado Hugo Motta, presidente da Câmara dos Deputados, de “construir um acordo com o Supremo Tribunal Federal (STF) para alterar o número de deputados federais”. Seu pleito é que a Câmara passe a ter mais 14 deputados, além dos atuais 513, totalizando 527.

— É imoral por implicar a inobservância explícita de norma legal que obriga o Congresso a rever periodicamente a distribuição das 513 cadeiras entre as unidades da Federação;

— É inconstitucional por contrariar expressa disposição constitucional determinando que a representação deve ser proporcional à população de cada estado e do Distrito Federal;

— É ilógica por implicar a criação de precedente segundo o qual, após cada censo realizado pelo IBGE, dar-se-iam cadeiras adicionais aos estados que tivessem maior aumento de população, fazendo com que o número de deputados crescesse indefinidamente;

— É imprópria por não ser cabível “um acordo com o STF”; o STF interpreta a Constituição, não faz “acordos”.

A distribuição das 513 cadeiras atualmente vigente entre os estados foi fixada em 1993 e permanece inalterada desde então. As alterações de população registradas pelo IBGE nos Censos de 2000 e 2010 foram ignoradas pelos deputados, a despeito de expressa exigência legal. Em 2013, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) chegou a baixar resolução fixando o número de integrantes da Câmara dos Deputados e das Assembleias Legislativas que deveria vigorar para as eleições de 2014. Na época, atendendo a pedido da Assembleia Legislativa de Pernambuco, o STF declarou a resolução do TSE inconstitucional por entender que esse papel era exclusivo do Congresso.

Mais recentemente, atendendo a pleito do governo do Pará, o Supremo determinou que o Congresso editasse uma lei complementar até 30 de junho de 2025 para revisar a distribuição de cadeiras, com base nos dados populacionais de cada estado. Definiu a Corte que, caso o Congresso não o faça, caberá ao tribunal fixar, até 1º de outubro de 2025, o número de deputados federais de cada estado para as eleições de 2026.

Ocorre que cálculos feitos pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) mostram que o cumprimento da determinação do STF levaria vários estados a perder cadeiras na Câmara. O Rio de Janeiro perderia quatro; Rio Grande do SulBahiaPiauí e Paraíba, duas; e Pernambuco e Alagoas, uma cada. Do outro lado, Pará e Santa Catarina teriam quatro cadeiras a mais cada um; Amazonas, mais duas; e CearáMinas GeraisMato Grosso e Goiás, uma a mais cada. Assim, 14 cadeiras trocariam de mãos, justamente o que o presidente da Câmara quer evitar, buscando um artifício para aumentar o número para uns, sem diminuir o número de nenhum estado. As alterações decorrem do fato de, entre 1990 e 2022, justamente os estados de Pará, Santa Catarina, Goiás e Amazonas terem registrado o maior aumento populacional (entre 51% e 86%), enquanto Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahia, Piauí e Paraíba registraram os menores aumentos (entre 15% e 35%).

Esconde-se nesse debate que a alteração de deputados federais implicará a mudança também do número de deputados estaduais. A prevalecer a tese de Hugo Motta, teríamos 11 deputados estaduais a mais — e nenhum estado ficaria com o número de deputados estaduais reduzido.

Mas, e ainda mais importante, é observar que, aceita a tese dele, cria-se o que o ministro Luiz Fux chamou de “assimetria representativa”, maculando a fundação da democracia representativa brasileira.

O presidente Hugo Motta, embora jovem, já é um congressista experiente e certamente sabe quanto ainda poderá aportar anos à frente em decisões importantes para o país. De suas mãos agora poderosas, dependerá a racionalidade das medidas para vencer eventuais desequilíbrios de representação.

O presidente Hugo Motta precisa olhar o todo, resistir a apelos interesseiros, conversar mais com os diversos interlocutores e, bem aconselhado, tomar as decisões mais razoáveis e sustentáveis. Submeter-se a voluntarismos não combina com suas bem-vindas energia e cultura, contribuição potencial ao país e capacidade de franca interlocução. Recue desta vez, presidente.

Link da publicação: https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2025/03/mais-deputados-federais.ghtml

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Sobre o autor

Pedro Passos