Estadão
O vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio propôs uma solução simples e nada original para enfrentar a inflação: retirar de seu cálculo os preços de alimentos e energia. Para ser justo, deixo claro que não sugeriu que o IBGE eliminasse estes preços do IPCA, mas que o BC usasse uma medida alternativa do índice oficial de inflação sem o impacto destes produtos.
A ideia pode parecer madura e ponderada, mas, acreditem, não é nada disso: trata-se de puro oportunismo eleitoreiro que, se adotado, implicaria piora considerável do problema inflacionário.
Começando pelo que não foi examinado pelo vice, cosplay de ministro: o IPCA, deduzido o impacto de alimentos, energia (elétrica e combustíveis) e passagens aéreas, atingiu 4,53% nos 12 meses terminados em fevereiro. Não se encontra apenas acima da meta (tema ao qual volto adiante), como também acima do intervalo de tolerância (que também examino a seguir).
Ou seja, se a ideia era criar (artificialmente) condições para que o BC reduzisse a Selic, Alckmin precisa voltar urgentemente para a prancheta.
Aliás, caso a meta de inflação fosse assim definida, ela teria que ser inferior à atual, que já é mais alta que em outros países justamente para acomodar o impacto de itens voláteis, como alimentos. Da mesma forma, o intervalo de tolerância deveria ser mais apertado do que 1,5%. O problema para o BC seria possivelmente do mesmo tamanho, senão maior.
Isso porque, como examinei em coluna anterior, a inflação não resulta de um punhado de preços em alta, mas é um fenômeno persistente que afeta a maioria dos produtos do IPCA. Como notado, o ritmo de aumento de preços de tudo que não é alimento, energia, ou passagem aérea supera 4,5% nos últimos 12 meses.
É óbvio que o cioso vice não se deu ao trabalho de olhar os números de inflação antes de fazer a genial proposta. Ainda bem, porque, se tivesse, acabaria escolhendo oportunisticamente outra métrica qualquer que justificasse o corte de juros.
Todavia, se o objetivo é apenas esse e não controlar de fato a inflação, deixo aqui minha modesta proposta: o “núcleo por altas aparadas”.
Inspirado nas Organizações Tabajara e na metodologia da meta fiscal, que retira da contabilidade os gastos inconvenientes, sugiro descartar do IPCA todos os preços que aumentassem. Assim a “inflação” ficaria para sempre abaixo da meta (na verdade, negativa ou zero), permitindo que o Copom pudesse reduzir a Selic a zero, ideia, como se vê, muito mais efetiva do que a sugestão do vice.
Seus problemas terminaram!
Link da publicação: https://www.estadao.com.br/economia/alexandre-schwartsman/alimentos-energia-calculo-inflacao/
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