Entrevistas

‘Empregos não vão voltar aos EUA, só robôs. Espanta o nível de amadorismo’, diz Samuel Pessôa sobre Trump

Para o economista, o problema não é a manufatura ter saído dos Estados Unidos. Há uma mão de obra com escolaridade média que é pouco produtiva. Ele diz ainda que o país pode caminhar para um estado de estagflação

Globo

O economista Samuel Pessôa, pesquisador associado do FGV/Ibre, diz que em pouco tempo — seis meses no máximo — os Estados Unidos começarão a sentir os efeitos do tarifaço do presidente Donald Trump na economia doméstica, com inflação mais alta e estagnação, a chamada estagflação. Ele diz que os empregos prometidos por Trump não devem voltar, já que a tecnologia avançou muito e a produção de bens está robotizada. “Vão voltar robôs”, diz.

A questão é mais sensível para o trabalhador americano de escolaridade média que não tem formação suficiente para disputar o setor mais nobre do capitalismo, que é a exportação de serviços de tecnologia, nas mãos de empresas como AppleMicrosoft e Google.

Vai dar certo a estratégia de Trump de fazer uma guerra comercial com o mundo para recuperar empregos?

As medidas de Trump vão desorganizar a atividade produtiva mundial. Haverá perda de produto no mundo todo, mais concentrado no Estados Unidos. É possível que o país caminhe para um estado de estagflação. Primeiramente, não tem emprego perdido, o país opera a plena carga. Não é um problema real.

O que aconteceu há 25 anos, com a emergência da China, é que algumas atividades foram para China. Isso gerou, naquela época, efeitos ruins em algumas comunidades. Isso foi há 25 anos, a tecnologia já mudou. A indústria está toda robotizada. Se voltar para os EUA, vão voltar os robôs.

Não houve propriamente uma perda da indústria. Os Estados Unidos se especializaram na produção e exportação de serviços sofisticados. Vale do Silício é nos Estados Unidos, que exporta esses serviços, com Apple, Google, Microsoft. É o setor mais nobre do capitalismo internacional. Está nos EUA e exporta.

Mas qual o motivo dessa adesão dos americanos ao projeto de Trump?

O problema não é a manufatura ter saído de lá. Há uma mão de obra com escolaridade média que é pouco produtiva. E tem de resolver um problema de baixa qualidade de redes públicas de educação. É um problema associado à formação das pessoas.

Qual a estratégia de Trump?

A impressão que dá é que ele acredita nessas coisas, de que existe um comércio desigual, e os EUA são explorados, e que tem de colocar tarifas. É difícil entender uma coisa que não faz sentido. Já tinha essa agenda das tarifas no primeiro mandato, numa forma menos disfuncional. Não sei o que aconteceu na cabeça dele entre o primeiro e o segundo mandatos.

Mas espanta o nível de amadorismo, como vimos na fórmula que usaram para calcular a tarifa de importação de cada país. Ele quer reconstruir a indústria americana, voltar para os anos 1950. É uma loucura, a roda do mundo não vai voltar para trás. A tecnologia avançou. É uma estratégia muito ruim.

Há chances de ele voltar atrás nas medidas com as retaliações anunciadas por China e União Europeia?

Difícil saber o que Trump vai fazer, mas ele precisa das tarifas como uma fonte de receita de impostos. Ele quer manter as desonerações de impostos (feitas no primeiro mandato de Trump que terminariam este ano) e está com deficit público grande. Ele precisa de receita.

Ele consegue pegar custo da tarifa e pôr do outro lado. Nas simulações que já vi, se todo mundo botar tarifa, os Estados Unidos são os que menos perdem. Como é um grande consumidor, tem poder de barganha e consegue reduzir parte das tarifas dos outros.

Para a China, machuca muito. Mas se desorganizar muito — Trump já demonstrou que não é muito ideológico — ele pode voltar atrás, pois já fez isso outras vezes. Vimos nessa gestão. Ameaçou, pôs um prazo. No mandato anterior, negociou com muita gente. O Brasil negociou as tarifas do aço. Ele vai na tentativa e erro, dependendo do nível de desorganização que produz, volta um pouco.

“Difícil saber o que Trump vai fazer, mas ele precisa das tarifas como uma fonte de receita de impostos”, diz Samuel Pessôa

E os efeitos para o Brasil?

O Brasil é muito fechado (para o comércio externo). E pagamos um custo imenso por sermos muito fechados. Mas, nesse momento, estamos mais protegidos.

 E quais serão os efeitos para a economia mundial?

Vai desorganizar a estrutura produtiva. A produtividade no mundo vai cair. A capacidade produtiva vai cair. Essas medidas geram muita incerteza e certa recessão na economia mundial. Essa queda de demanda, conjuntamente com a desorganização da oferta, gera estagflação. Mesmo com o mundo entrando em recessão, a inflação não cai e é provável que até suba, com a desorganização da oferta.

Link da publicação: https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2025/04/09/e-possivel-que-os-eua-caminhem-para-um-estado-de-estagflacao-diz-pesquisador-da-fgv.ghtml

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