Estadão
Este é mais um artigo neste espaço com a palavra assustador no título. As primeiras 12 semanas do governo Trump – e as quase duas centenas de semanas adicionais que o mundo e o Brasil têm pela frente – justificam a retomada da série. O futuro tornou-se muito mais incerto e perigoso com a chegada de Trump ao poder – como mostraram suas primeiras semanas no cargo.
Um dos artigos da série É assustador citava Adam Przeworski: “Não acredito que a sobrevivência da democracia esteja em jogo na maioria dos países, mas não vejo nada que possa acabar com o nosso descontentamento atual. (…) A crise não é apenas política; tem raízes profundas na economia e na sociedade. É o que me parece mais assustador”.
Outro artigo da série mencionava Amos Tversky: “É assustador imaginar que não sabemos algo, mas mais assustador ainda é imaginar que, em geral, o mundo é dirigido por pessoas que acreditam saber exatamente o que está acontecendo”. Notei que a frase deveria ser estendida para incluir as pessoas que acreditam saber também exatamente o que fazer; e dedicam-se a convencer os demais a acreditar nisso – como forma de chegar ao poder, nele continuar ou a ele voltar.
Um terceiro artigo lembrava Anne Applebaum: “Os freios, filtros e contrapesos das democracias constitucionais ocidentais jamais garantiram estabilidade. Eles sempre exigiram certa tolerância pela cacofonia e pelo caos, assim como certa disposição em reagir às pessoas que criam cacofonia e caos”. Assim como – notei à época – disposição para reagir às pessoas que, em democracias, procuram solapá-las com suas ações, como vimos nos EUA e no Brasil, em dois janeiros assustadores.
Os EUA foram, desde meados dos anos 40 do século passado, o principal ator de um processo de criação de instituições multilaterais como ONU, FMI, Banco Mundial, Gatt (embrião da OMC, criada décadas depois), OCDE (criada para cooperação com países europeus, após o lançamento do Plano Marshall). Foram uma força para a expansão do comércio internacional, através da redução de barreiras tarifárias e não tarifárias, e da adoção do sistema de regras que permitissem a resolução de controvérsias comerciais através da OMC.
O dólar norte-americano foi ao longo de todo esse período a moeda dominante no sistema internacional, em razão do peso da economia dos EUA, de seu vasto mercado financeiro, e da segurança dos ativos denominados em dólar e dos títulos do Tesouro norte-americano. E, não menos importante, em razão de sua aliança geopolítica, baseada em relações de reciprocidade e confiança.
Donald Trump precisou de menos de três meses para abalar, e muito seriamente, essas relações e reciprocidade. A ponto de o novo primeiro-ministro do Canadá, Mark Carney, afirmar que os EUA, sob a presidência Trump, haviam deixado de ser “um parceiro confiável”. Trump e seus secretários questionam os valores e arranjos nos quais estiveram baseados os últimos 80 anos. Trata-se de fascinante paradoxo: esses arranjos e valores foram em larga medida construídos com a liderança dos EUA.
É verdade que alguns países consideraram o papel dominante do dólar americano como um “exorbitante privilégio” conferido aos EUA. A criação da União Europeia e a posterior decisão da mesma em criar o euro foram um projeto de ter também uma confiável moeda de livre curso internacional. É imperdível para os interessados no tema o artigo de Barry Eichengreen, publicado no Financial Times (22/3), intitulado Can the dollar remain king of currencies?.
A chegada de Trump à presidência norte-americana representou uma extraordinária e abrupta transformação na medida em que, segundo seu discurso, não haveria nenhum privilégio exorbitante, mas, ao contrário, um fardo exorbitante que “inimigos” e aliados (inclusive os europeus) haviam imposto aos EUA. Esse fardo seria expresso pelos déficits na balança comercial dos EUA a serem “resolvidos”, na visão simplória de Trump, através de tarifas e ameaças de elevações tarifárias.
Trump foi longe demais nesse processo e na semana passada teve de recuar – o que jamais admitirá – e declarar uma “trégua de 90 dias” na imposição de tarifas (exceto os 10%) para os “países que não retaliaram”, o que exclui a China, que decidiu responder à altura. Trump, como sempre, declara e declarará vitória e não reconhecerá erros, mas o fato é que pesaram e pesarão os efeitos da forma atabalhoada com que as medidas tarifárias foram anunciadas. Sabemos que a economia reage a excessos de incertezas, imprevisibilidades e perdas de confiança e credibilidade de um governo. E como notou Warren Buffett: “Em economia é sempre preciso perguntar: e depois?”.
Não é por acaso que as previsões de aumento da inflação e redução do crescimento da economia norte-americana estão se consolidando. E que os mercados financeiros estão cada vez mais atentos às implicações de uma guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo. Que representam, juntas, quase 45% da economia global.
Concluo com a pertinente observação de Kenneth Arrow: “A maior parte dos indivíduos subestima a incerteza. Enormes danos têm se seguido à crença na certeza, seja em inevitabilidades históricas, seja em posições extremas sobre política econômica”.
Link da publicação: https://www.estadao.com.br/opiniao/pedro-s-malan/faltam-quase-200-semanas-e-assustador/
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